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Pensamento Ocidental Moderno

Jean Wahl: A QUE SE OPÕEM AS FILOSOFIAS DA EXISTÊNCIA

Filósofos e Pensadores

quarta-feira 23 de março de 2022, por Cardoso de Castro

As Filosofias da Existência
Jean Wahl  
Trd. I. Lobato e A. Torres
Europa-América
1962

Falamos de oposição a Platão  , de oposição a Descartes  ; num e noutro, a filosofia é a investigação do que é estável e universal.

Parece que houve um momento na história da filosofia em que a filosofia abandonou a investigação de um dos elementos que constituíam até então a sua essência; foi o momento de Hegel  , no qual a ideia de estabilidade foi substituída pela ideia de movimento universal. Mas Hegel   conserva as ideias de objetividade, de necessidade, de universalidade, de totalidade, dos filósofos clássicos: só é necessário mudar a ideia, também ela fundamental, de estabilidade. E sucede que pelo seu gênio Hegel   consegue manter simultaneamente a ideia de movimento e as ideias de objetividade, de necessidade, de universalidade, e fortalecer a ideia de totalidade. A meditação sobre o movimento como essência, introduzida por Nicolau de Cusa e Giordano Bruno no domínio do pensamento, foi introduzida por Leibniz   no próprio domínio de uma filosofia racional. A obra de Hegel   foi unir ainda mais estreitamente movimento e razão. Foi principalmente por oposição a Hegel   que se formou, no espírito de Kierkegaard  , a filosofia da existência. Ele vê naquela o final da tradição filosófica que começa com Platão   e talvez com Pitágoras.

Que censura Kierkegaard   em Hegel  ? Censura, em primeiro lugar, que tenha feito um sistema, dado que não há, diz Kierkegaard  , sistema possível da existência. Kierkegaard   recusa-se a ser considerado como um momento no desenvolvimento da realidade. Para Hegel  , só há uma realidade verdadeira e plena, é a totalidade, a totalidade racional, porque tudo o que é real é racional e tudo o que é racional é real. Esta totalidade é a Ideia. Tudo o que existe só existe pela sua relação com uma totalidade e finalmente com a totalidade. Consideremos o mais fugidio dos nossos sentimentos. Só tem existência porque faz parte dessa totalidade que é a minha vida. Mas a minha própria vida, o meu próprio espírito, só existe, dirá Hegel  , porque está em relação com a cultura de que sou uma parte, com a nação de que sou um cidadão, com a minha função e a minha profissão. Estou profundamente unido ao Estado de que sou membro, mas esse próprio Estado é apenas uma parte do vasto desenvolvimento da história, isto é, da Ideia única que se explicita em todo o curso deste desenvolvimento. E chegamos à ideia de um universal concreto que compreende todas as coisas. Do mais fugidio sentimento, vamos à ideia universal de que todos os universais concretos, como as obras de arte, as pessoas, os Estados, são apenas partes. E esta ideia universal existe no início das coisas tanto como no fim, dado que, sendo a única realidade, ela é a realidade eterna.

Para um hegeliano, Kierkegaard   terá um lugar no próprio desenvolvimento desta realidade. Por exemplo, o hegeliano dirá do kierkegaardiano que ele é o momento da ironia, que ele é a desforra do romantismo relativamente ao hegelianismo, desforra a que se seguirá forçosamente, pelo próprio jogo do destino, pela ironia do destino, de novo o triunfo do hegelianismo. Diremos ao kierkegaardiano: «Sois o momento da ironia, sois o momento da desforra do romantismo, sois o momento da subjetividade, momento que vai ser ultrapassado, que é aliás eternamente ultrapassado.» Mas é isto que Kierkegaard   se recusa a aceitar. Ele próprio é; não é um momento, não conhece o desenvolvimento universal. A procura da objetividade que encontramos em Hegel  , à paixão e ao desejo de totalidade, Kierkegaard   vai opor a ideia da verdade como subjetividade. Ao pensador objetivo ele opõe aquele a que chama pensador subjetivo, aquele a que chama o único. A força de conhecimentos, afirma, esqueceram-se do que era existir. O seu principal inimigo será o sábio que se esforça por caminhar para um conhecimento objetivo das coisas, será aquele que expõe um sistema, será o professor. Há coisas que não podem ser compreendidas por um saber.


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