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Martineau (GA25) – O termo "fundamento"

sexta-feira 13 de junho de 2025, por Cardoso de Castro

Emmanuel Martineau  , "Avertissement du Traducteur" (GA25  )

II — Sem prejuízo, muito pelo contrário, de certa unidade historial e essencial da ontologia fundamental como "projeto", a palavra FUNDAMENT, cujas ocorrências totais são as seguintes: infra, pp. 3, (4), (61), (71), (78), (79), (162), (224), (293-294), (307), (328-329), (336), (338), (354), (355) (cf. N.d.T.), (357-358), (402), não pôde ser traduzida de modo unitário, e foi vertida por fundamento-originário quando se inscrevia nitidamente numa problemática própria a Heidegger, mas por fundações — no plural — quando Heidegger o vinculava, igualmente de modo claro, à problemática kantiana considerada em seus limites.

Esse discernimento, já favorecido pelo fato de que o singular predominava (embora não sistematicamente) no primeiro caso, e o plural no segundo, impunha-se filosoficamente, pela simples razão de que o próprio Heidegger não cessa de operá-lo. Ele atribui a Kant  , é verdade, uma empreitada fenomenológica, ainda que por vezes disfarçada em simples deductio [1] jurídica, mas a analítica em questão não poderia ser, segundo a expressão desenvolvida do Kant   de 1929 (§ 18), senão "uma fenomenologia pura da subjetividade do sujeito enquanto finito", o que implica claramente que as "fundações buscadas" se encontrarão situadas "no sujeito" e em nenhum outro lugar (infra, p. 355). Por outro lado, por mais consciente que Kant   estivesse dos limites da auto-fundação de toda ciência de um domínio do ente, a mira dessa fundação das auto-fundações — em uma palavra: dessa refundação — que é a "Crítica" permanece, Heidegger não cessa de sublinhá-lo, a posição das "fundações", dos alicerces de uma ontologia, universal e particular, da natureza (fisiologia), em suma, mais uma vez, do ente à mão.

Consequentemente, é totalmente excluído abranger sob um gênero unívoco esse novo fundamentum inconcussum que é o a priori kantiano (e Heidegger insiste aqui na equivalência persistente desse a priori e do subjetivo) e o fundamentum concussum, o fundamento-originário liberado (frei-gelegt) por Ser e Tempo  . Se era realmente a mesma seiva (chamemo-la de mathèsis, no sentido que O que é uma coisa? nos ensinou a pensá-la) que circulava das raízes ao ramo mais alto da árvore cartesiana (e de toda árvore metafísica), em vão se buscaria a mesma continuidade entre essas raízes, por um lado, e, por outro, o "fundo" onde elas mergulham, e que todavia não deixa, diz O retorno ao fundamento da metafísica, de nutrí-las com "seivas" misteriosas [2].

Assim, pensamos não simplificar a situação mais do que toda interpretação é obrigada a fazê-lo, incluindo e sobretudo a "sobreinterpretação" presente (p. 93), ao traçar o quadro a seguir, onde três níveis de fundação — auto-fundação, re-fundação, fundação-originária — se distinguem claramente:

AUTO-FUNDAÇÃO de uma ciência (Selbstbegründung)
fundamentos, princípios de um domínio do ente (Gründe, Grundsätze)

RE-FUNDAÇÃO (Grundlegung) [3]
fundações (Fundament 2):
a) das ontologias regionais
b) da filosofia transcendental, ou "metafísica" ou ontologia (infra, pp. 57 ss.)

ONTOLOGIA FUNDAMENTAL (permitindo, incidentalmente, a "fundamentação" de disciplinas ônticas [4])
fundamento-originário (Fundament 1):
da metafísica [5] no sentido da questão do ser do ente

E, no entanto, porque não se trata aqui de uma nova árvore, de um novo edifício simplesmente deslocado, por assim dizer, um degrau abaixo, por essa mesma razão, assim como o Fundament não é unívoco, tampouco é equívoco, e muito menos "analógico": a unidade, evocada acima, da ontologia fundamental no sentido mais amplo deve subsistir, ou melhor, deve se desdobrar concretamente.

Isso ela consegue fazer, embora nem sempre tematicamente e nunca sistematicamente, neste livro, graças ao principal das "seivas nutrientes" que Heidegger nomeava, graças ao tempo, à temporalidade. Meditar sobre a continuidade e a descontinuidade assim sumariamente caracterizadas, eis sem dúvida a tarefa de toda interpretação desta Interpretação.

No entanto, como essa tarefa nada mais é do que discernir o movimento ou a virada pela qual o tempo, de sentido do ente que é pela primeira vez resolutamente na "Crítica", torna-se ele próprio sentido do ser numa compreensão onde a "Crítica" é ainda melhor compreendida do que o próprio Kant   a compreendia, suspeita-se que esse discernimento secreto não caia mais de modo algum sob o domínio da representação histórica.

Essencialmente precária é a fronteira, interior à ontologia fundamental e constitutiva de seu desdobramento meta-histórico, que traça a transmutação mesma do tempo entre síntese imaginativa pura e tempo extático. Pode-se chocar-se com isso e lembrar certa tese "hermenêutica", tão célebre quanto incompreendida, do Kantbuch (GA3  ), segundo a qual

"se uma interpretação restitui simplesmente o que Kant   expressamente disse, então desde logo ela não é mais uma interpretação; (…) para conquistar, sobre o que as palavras dizem, o que elas querem dizer, toda interpretação deve necessariamente usar de violência…" (§ 35) —,

mas esse indiscernível [6], na realidade, não escapa de modo algum à determinação: afirmemos, ao contrário, que a diferença entre "Crítica" e ontologia fundamental é, de jure, eminentemente determinável, ainda que ao preço de um esforço infinito, pois é ela e apenas ela que torna possível o advento de uma doutrina.

Isso, enfim, não é dito para atribuir a Kant   uma empreitada fundamental-ontológica da qual Heidegger não cessa de negar-lhe a clara consciência, mas, mais imediatamente, para compreender por que um debate tão duradouro com seu "precursor", nessa época, não pareceu menos indispensável ao pensador que acabara de publicar Ser e Tempo   do que àquele que, "há alguns anos", havia "retomado o estudo da ’Crítica’ sobre o pano de fundo da fenomenologia de Husserl  " (p. 431).


[1Cf. Chemins. trad. fr. rev. 1980, p. 296. Sobre os temas da ontologia fundamental e do conflito entre fenomenológico e jurídico, ver especialmente infra, pp. 139, 243, 290, 308, 315, 318, 329, 373.

[2Wegmarken, Frankfurt, 1967, p. 195.

[3Esta transposição de Grundlegung (cf. nosso prefácio a R. Boehm, A metafísica de Aristóteles, 1976), diretamente justificada pelas declarações de Heidegger (especialmente infra, p. 35 e N.d.T.), não é, é preciso lembrar, senão a tradução francesa do latim instauratio, que nunca significou "instauração" (como os tradutores de K.M. GA3), mas — Félix Gaffiot dixit — "renovação, retomada". Sobre o sentido exato dessa renovação, ver a introdução, muito negligenciada, de K.M., declarando: "É o gesto de tornar eficaz a força portante do fundamento essencial que é posto".

[4Ausente aqui, essa palavra usada duas vezes em Ser e Tempo, pp. 17 e 249, será "desviada" por Husserl em sua conferência anti-heideggeriana de 1931. Fenomenologia e antropologia.

[5A expressão "retornar ao fundamento da metafísica", que dará, como se sabe, seu título ao prefácio de 1949 a O que é metafísica?, aparece uma vez aqui mesmo, p. 3. Deve ficar bem claro que tal retorno não tem mais nada a ver com a empreitada kantiana de re-fundação e, conjuntamente, que uma eventual contribuição da ontologia fundamental para a consolidação "epistêmica" desta ou daquela ciência (a antropologia, por exemplo) só pode ser ocasional, quando não fundamentalmente ilusória. A ontologia fundamental, não colocando mais propriamente um fundamento, é ela mesma o objetivo.

[6Não se exclui com isso, evidentemente, a possibilidade de uma diferenciação doutrinal — no sentido corrente do adjetivo — tão pertinente quanto multiforme entre "problemáticas" kantiana e heideggeriana, e Heidegger repetirá abaixo, se necessário (infra, p. 13941), que Ser e Tempo parte de premissas totalmente independentes de Kant. Simplesmente, a restauração de um princípio de indiscernibilidade reaparece a partir do momento em que — evento único e irredutível — a metafísica, em Kant, se re-fundou. E então, um livro como K.M. encontra sua necessidade, assim como seu título completo e verdadeiro, inscrito no cabeçalho da primeira seção: "A exposição (Auseinanderlegung) da ideia da ontologia fundamental pela interpretação (Auslegung) da Crítica da razão pura como re-fundação (Grundlegung) da metafísica" (cf. a trad. citada de K.M., p. 61, onde o jogo de palavras, evidentemente difícil de traduzir, nem sequer é assinalado em nota). Em suma, o presente curso tem apenas uma destinação: saudar o evento kantiano, e não lhe dar um "estatuto" relativo.