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Dastur (FDHP) – deinotaton, "o que há de mais violento"

quinta-feira 12 de junho de 2025, por Cardoso de Castro

FDHP

No primeiro percurso, Heidegger começa por colocar ênfase em outra ambiguidade do sentido da palavra deinon, que, explica, designa por um lado o Furchtbare, aquilo que provoca o temor (Furcht) e que, enquanto poder subjugador [1], é origem tanto do terror pânico quanto do temor oculto, e por outro lado o Gewalt-tätige, o fazer-violência, aquilo cujo uso do poder (Gewalt) constitui não apenas o traço fundamental de sua ação, mas também de seu ser-aí. O homem é assim duplamente deinon, não apenas porque pertence ao domínio do ente, que é em si mesmo o poder subjugador, mas também porque, ao trazer à abertura o poder do ente, ele mesmo faz uso de poder contra aquilo que assim o subjuga. Compreende-se então que possa ser dito to deinotaton, "o que há de mais violento".

Resta porém explicar por que deinon é aqui traduzido, com o risco de enfraquecer seu sentido primeiro, por "unheimlich". Heidegger insiste ao contrário no que há de "decisivo" nessa tradução, o Unheimlich devendo ser compreendido, no sentido literal, como aquilo que lança o homem para fora do que lhe é familiar (heimisch), o que lhe impede de "permanecer em seu elemento" [2]. Pois o que o empurra para fora dos limites do que lhe é familiar e habitual é justamente o poder subjugador do ente contra o qual ele mesmo faz uso de poder. Em Ser e tempo  , Heidegger já destacava que a verdade "deve sempre antes de tudo ser arrancada pela luta (abgerungen) ao ente" e que este último deve ser ele mesmo "arrancado à ocultação", de modo que a descoberta do ente "é sempre um roubo", como bem indica o termo privativo de a-lètheia usado pelos gregos para expressar a verdade (SZ   §44). E em Que é metafísica?, explicava que na angústia "se sente uma inquietante estranheza (ist es einem unheimlich)" e que fazemos assim a experiência de um "recuo do ente em seu conjunto", de modo que nesse "desvio do ente", "não resta nada como apoio". Essa experiência de um "desenraizamento" é de fato a revelação da "perfeita estranheza (Befremdlichkeit) até então oculta" do ente que se revela a nós como "o radicalmente outro", estranheza que, quando nos assalta, suscita o espanto e está assim na própria origem da questão fundamental da metafísica "por que há algo e não antes nada" da qual parte o curso de 1935. Dizer portanto do homem que ele é o que há de mais "unheimlich" é dizer ao mesmo tempo que ele é o que há de mais "inquietante", unheimlich tendo o sentido corrente em alemão daquilo que inspira angústia, mas também que ele é o que há de mais desprovido de "lar", de lugar próprio e de familiaridade com o que o cerca. Ora, é precisamente nisso que Heidegger vê "a verdadeira definição grega do homem" (160; 165).

É em outra fala do coro, a expressão pantoporos aporos (verso 360) que ele descobre uma interpretação dessa definição do homem. Não é de fato apenas porque abre em todos os sentidos e por toda parte (pantè) um caminho (poros) no interior do Unheimlichkeit, da estranheza do ente, que ele é ele mesmo o que há de mais "unheimlich", de mais estranhamente inquietante, mas sim porque, ao fazê-lo, não encontra saída alguma, chega à aporia, e, vendo-se assim privado de toda relação com a quietude familiar, dá ensejo à atè (verso 185), a essa ruína e infortúnio que é o próprio cerne da tragédia. Uma terceira fala marcante, hupsipolis apolis (verso 370), que une do mesmo modo contrários, remete a esse lugar histórico [3] e não apenas político no sentido estrito do termo que é a polis, onde advém a violência criadora dos homens, que estão ao mesmo tempo no mais alto do sítio histórico (hupsipolis) e todavia sem base histórica, apolis, ou seja, sem lar, unheimlich, precisamente porque lhes cabe antes de tudo fundá-lo.


[1Gilbert Kahn traduz, não sem pertinência, überwältiges Walten por "predominância prepotente". Todo o léxico aqui em jogo remete ao verbo walten (reinar, governar) cuja raiz indo-europeia é a mesma do latim valere, que significa "ser forte, potente", sendo que Gewalt em alemão significa poder, força, e Gewalttätigkeit mais precisamente violência.

[2É o que destacará de modo ainda mais explícito em seu curso de 1942, precisando que entende o Unheimlich na direção do não-habitual (Nicht-geheuren) "no sentido daquilo que não se sente em casa (daheim), - daquilo que não está em casa (heimisch) no estar-em-casa (Heimischsein)" (GA53, p. 87).

[3Retoma-se aqui a tradução de geschichtlich por histórico proposta por Henry Corbin em sua tradução em 1938 de extratos de Ser e tempo in M. Heidegger, Que é metafísica? Paris, Gallimard, 1938, pois permite dar conta da distinção feita por Heidegger entre Geschichte (a história enquanto processo real) e Historie (a ciência histórica).