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Wahl: A SEGUNDA TRÍADE: O POSSÍVEL E O PROJECTO — A ORIGEM, O AGORA, A SITUAÇÃO, O INSTANTE
terça-feira 17 de dezembro de 2024, por
Jaspers falará sempre — já o dissemos — da existência possível, querendo significar com isso que a existência nunca é qualquer coisa de dado, mas qualquer coisa que está prestes a ser. O homem está sempre em avanço sobre si próprio, diz Heidegger. E podemos, daí, chegar facilmente ao que diz Sartre acerca do facto de que o existente está sempre em projeto. A ideia de projecto é essencial ã filosofia de Sartre e também essencial à filosofia de Heidegger. O existente faz-se sempre a si próprio, e o importante é não se estar amarrado ao próprio passado, é não nos deixarmos ancilosar em momentos do tempo, quer sejam momentos do passado, quer sejam momentos do futuro. Apegar-se a um momento determinado do seu passado, referir-se constantemente a um acontecimento anterior, ou mesmo ligar-se a um momento determinado do seu futuro, por exemplo, a uma função que se ambicionava desde a juventude, é parar o curso da duração, essencial ao «para si», é formar-se segundo um passado retraído ou um futuro retraído, que cessam de ser membros do «para si» e caem no «em si». E é aí que têm lugar as análises de Sartre sobre a má fé: estar de má fé é não ter em conta o que realmente se ê, é estabilizar o tempo e, por isso mesmo, falsificá-lo.
Podemos passar ao segundo momento, à segunda categoria, isto é, à ideia de origem.
«De uma maneira geral», disse Kierkegaard já em 1835, «todo o verdadeiro desenvolvimento é um voltar atrás que nos faz ir até às nossas origens», e ele cita como exemplo os grandes artistas que «avançam pela própria razão de voltarem atrás». Na nossa própria vida, os primeiros instantes, os começos, têm um valor eminente. Ê necessário, portanto, que cada um se conheça voltando-se para a origem, e ao mesmo tempo que se conheça voltando-se para o futuro: tais são as características do existente. E assim ele constitui a unidade do seu passado e do seu futuro num presente cheio de conteúdo.
É preciso voltar ao que é primário, ao que é primitivo, ao que é originário. Kierkegaard já nos convidava a isso e pensava que a existência deve retomar o seu lugar em face da sua própria primitividade eterna. Por outro lado, sabe-se que ele quer voltar ao que era o cristianismo na sua origem, isto é, ao pensamento de Jesus. Ê indispensável, diz Kierkegaard , eliminar todos os séculos que nos separam do Cristo e que nos afastam dele, é indispensável que nos tornemos contemporâneos do próprio Jesus, e é isto o ato de fé. Neste sentido, se se realizar este ato de fé, os discípulos de Jesus não eram mais contemporâneos de Jesus do que nós somos.
Poderíamos voltar a encontrar, em todos estes filósofos, esforços análogos para remontar às origens. É assim que, num domínio inteiramente diferente, Heidegger quer remontar aos mais antigos filósofos gregos.
Jaspers diz que, em cada um dos grandes filósofos, é necessário que nos esforcemos por apreender o que é a fonte originária do seu pensamento (Usrprung). Trate-se de Descartes , ou de Leibniz , ou de Nietzsche , ou de Platão , há sempre um centro, essa intuição fundamental de que falava, por outro lado, Bergson , que é preciso reencontrar sob as superestruturas racionais, mais ou menos superficiais, do sistema. Num longo artigo sobre Descartes , Jaspers mostra que há qualquer coisa de válido no cartesianismo, mas que este qualquer coisa está viciado, falsificado, pela sistematização, pela racionalização, a que Descartes o submeteu.