Página inicial > Existencialismo > Wahl: A SEGUNDA TRÍADE: O POSSÍVEL E O PROJECTO — A ORIGEM, O AGORA, A (…)

Wahl: A SEGUNDA TRÍADE: O POSSÍVEL E O PROJECTO — A ORIGEM, O AGORA, A SITUAÇÃO, O INSTANTE

terça-feira 17 de dezembro de 2024, por Cardoso de Castro

Que é esta historicidade para Jaspers  ? É, diz ele, a unidade do ser que eu sou e da existência. È uma unidade do Daseim, e da existência. E uma unidade da necessidade e da liberdade. Eu estou, efectivamente, num certo lugar no espaço e no tempo. É o que será significado pela ideia de situação que temos de estudar; eu devo tomar sobre mim esta situação, devo assumi-la, e é isto que me dará a consciência da minha historicidade profunda.

Podemos agora passar à consideração da primeira categoria temporal, que será a do possível e do projeto e que será, por isso mesmo, também a do futuro.

Efetivamente, o momento essencial do tempo, para os filósofos, é o futuro. O indivíduo não é, em rigor: tem de ser, é uma tarefa à qual ele próprio se dá. Em Hegel   havia já, sem dúvida, afirmações que se orientavam neste sentido da preeminência do futuro, mas esta afirmação toma uma outra tonalidade, uma outra acentuação em Kierkegaard   e nos seus sucessores pelo próprio facto de que este futuro é o futuro do indivíduo, o futuro sentido subjectivamente.

O primeiro momento do tempo, para usar a expressão de Heidegger, o «primeiro êxtase do tempo», é o futuro [Nota: É preciso levar em conta, sem dúvida, o facto de que Sartre   não está, neste ponto, de acordo com o pensamento de Heidegger. Ligando-se de preferência a Husserl  , Sartre   mantém que o momento essencial do tempo é o presente, que é a partir do presente que formamos o passado e o futuro. Mas convém igualmente notar que o presente tal qual o concebe Sartre   se está, constantemente esvaindo, como a fugir de si próprio, de modo que se poderia fazer a pergunta de como a partir deste termo tão instável se podem constituir os outros momentos.]. Nós estamos sempre em projeto. Falamos de «êxtase do tempo» aludindo ao que disse Heidegger, ao que ele chama o «caráter extático do tempo». O tempo nunca está encerrado em si mesmo, é uma espécie de fuga diante dele próprio; da mesma maneira que a existência está fora dela, o tempo é o facto de que cada instante está fora de si e em fuga diante dele próprio.

Ora, esta ideia de possível é essencial ao pensamento de Kierkegaard  . Um dos principais reparos que fazia a Hegel   é o de não deixar lugar no seu sistema para o possível realmente vivido, é o de tornar impossível o possível e de tirar o oxigênio necessário à sua vida e à sua ação. Um universo em que não haja possível, pensava Kierkegaard  , é um universo onde o indivíduo se asfixia. É particularmente em O Conceito de Angústia que Kierkegaard   fala da ideia de possível, mostrando na angústia o aparecimento de possíveis tentadores que nos levam a um estado de aturdimento e de vertigem. Mas, se há possíveis tentadores, possíveis que nos fazem descer, há também possíveis que nos elevam, que nos libertam dos primeiros, e é essencialmente o possível religioso que torna possíveis coisas que se apresentavam impossíveis para a inteligência comum: e, aqui, deveríamos consignar uma palavra em lembrança de um filósofo que deixamos de lado, Chestov, que insiste particularmente neste aspecto da possibilidade do impossível, na sua definição da fé como sendo superior à inteligência. [Nota: Vê-se, deste modo, como é pela ideia de dualidade dos possíveis, possíveis que nos inclinam para baixo, possíveis que nos elevam, que se dá a passagem em Kierkegaard  , do inautêntico para o autêntico.]