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O Nada e a Escola de Kyoto

segunda-feira 19 de maio de 2025, por Cardoso de Castro

SavianiOH

Refletindo sobre a noção multifacetada de vacuidade ou insubstancialidade (jap. kū), central na especulação budista do Madhyamaka, que remonta ao pensador indiano Nāgārjuna (séc. II d.C.) (sâns. śūnyatā), bem como na tradição taoísta e budista ch’an chinesa (chin. wu), os pensadores de Kyoto   buscaram desenvolver uma verdadeira "meontologia". Nela, o "Nada" (jap. mu)—a "Nada absoluta" de Nishida, a "Mediação absoluta" de Tanabe, o "Si mesmo sem forma" de Hisamatsu, a "Vacuidade" de Nishitani—não é representada de forma substancialista como um Nada negativo (nihilum) em oposição ao Ser. Em vez disso, é praticada diariamente no zazen como o verdadeiro si mesmo e articulada conceitualmente segundo a lógica budista da interdependência infinita (sâns. pratītyasamutpāda; jap. engi).

Como afirma o padre G. Piovesana: "A vacuidade [voidness] não é o Nada [Nothingness] negativa da filosofia ocidental, que é traduzida para o japonês como kyomu. É, antes, o que em japonês é chamado mu, isto é, o presente absoluto com todos os seus processos e contradições". Ele também observa que "Nishida vê na despersonalização da civilização ocidental um elemento de nulidade [nothingness] que pouco tem a ver com o Nada [Nothingness] budista".

R. Ōhashi escreve sobre a noção de "Experiência pura" (jap. junsui keiken) em Nishida:

Para Nishida, a experiência é "pura" quando não é refletida, objetivada ou subjetivada pela consciência [Bewußtsein], ou seja, quando não está contida na separação sujeito-objeto. Quem possui alguma familiaridade com a tradição de pensamento do Extremo Oriente e com o significado da prática dentro dela, pensará imediatamente no exercício de aprofundamento sem-ego, que se realiza da maneira mais pura no "zazen" (prática de meditação zen em postura sentada). A Experiência pura, no aprofundamento de uma questão [Sache], é a experiência "da" questão (genitivo subjetivo e objetivo); nela reside a conexão viva entre o eu e a coisa [Ding] como a "única realidade". (…) A "Experiência pura" como prova da ausência de eu e da ausência de objeto na "única realidade" é uma experiência do Nada.

Como explica Sh. Ueda:

O budismo (seja o budismo dos primórdios com a doutrina de "anattā" ou o budismo mahāyāna com a doutrina de "śūnyatā") recusa radicalmente conceber o Ser segundo a categoria de "substancialidade", como algo existente que é idêntico a si mesmo e que possui em si o fundamento de seu ser. Diferente do conceito de ser substancial, o budismo considera apenas a categoria de "relação". Segundo o pensamento budista, nada existe por si mesmo e a partir de si mesmo. Tudo o que é, existe em relação com outro, precisamente em uma relação de condicionamento recíproco. (…) Nessa dinâmica relacional, cada coisa é um nada em si mesma e, justamente por isso, encontra-se ilimitadamente aberta às relações universais, que, por sua vez, se concentram no nada de cada coisa, ao mesmo tempo que na unicidade e singularidade.

E, finalmente,

O Nada budista, o Nada que dissolve o pensamento substancialista, não deve ser fixada como o Nada, como se estivéssemos falando de uma substância "negativa", ou seja, um Nihil. Trata-se do movimento desubstancializante do Nada absoluto, do Nada do Nada (…) O Nada se move como Nada do Nada.

Ou, nas palavras de K. Nishitani:

A vacuidade originariamente se esvazia a si mesma.

E, segundo M. Abe:

A pura atividade do absoluto anular-se é verdadeira śūnyatā.

Em suma, o budismo zen é reconhecido e vivido filosoficamente como uma prática meditativa contínua, na qual se busca dissolver qualquer distinção entre a teoria dos princípios e a práxis que deles depende, entre a atenção ao rigor (e à paradoxa) conceitual e a implicação lúdica (sem sujeito nem objeto) em cada acontecimento da vida cotidiana, por mais modesto e "nulo" que possa parecer sob uma perspectiva substancialista. Como afirma o Sutra do Coração (sâns. Prajñā-pāramitā Hridaya Sūtra, jap. Hannya Shingyō), um dos textos fundamentais do budismo zen: "A Vacuidade é coisa, a coisa é Vacuidade" (jap. kū soku ze shiki, shiki soku ze kū). Ao esvaziar-se originariamente a si mesma, a Vacuidade é (permite ser) a forma vazia de substância; e isso não pode ser compreendido por meio de uma investigação objetivante, mas sim realizado na prática cotidiana da vacuidade da consciência.

Sobre a "filosofia" do Nada, explorada pela Escola de Kyoto   com base nas tradições extremo-orientais, R. Ōhashi explica:

Se é verdade que a Filosofia, por sua essência, é uma aspiração ao saber, na tradição de pensamento asiático—no Budismo, em Confúcio, em Lao-Tzu  —o saber último se caracteriza pelo fato de estar totalmente livre da forma do saber e se realizar como ação. O saber oriental se dissolve em um "não-saber". A "Experiência pura" em Nishida ou a "Ação" em Tanabe representaram a incorporação dessa linha do não-saber como início e fim do saber.

Nesse sentido, torna-se compreensível o interesse mútuo e o contato direto entre esses pensadores e Heidegger. Neste último, evocado como uma espécie de Kōan, o caminho aporético da questão do Ser se abriu caminho em cada um de seus "recantos", junto ao igualmente aporético caminho da questão do Nada: "O que é o Ser?"; "O que é o Nada?". Ao assumir como inevitável e, portanto, decisiva a condição lógica aporética de tal percurso, Heidegger questionou a própria lógica substancialista e o pensamento-linguagem objetivante que a sustenta, sua história e sua prática.