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Wahl: A SEGUNDA TRÍADE: O POSSÍVEL E O PROJECTO — A ORIGEM, O AGORA, A SITUAÇÃO, O INSTANTE

terça-feira 17 de dezembro de 2024, por Cardoso de Castro

Capítulo II da Parte II (As Categorias das Filosofias da Existência) do livro "As Filosofias da Existência", tradução portuguesa de I. Lobato e A. Torres, 1962.

Estudamos aquilo a que chamamos as três primeiras categorias filosóficas da existência: a própria ideia de existência, a ideia de ser, a ideia de transcendência.

Procuraremos estudar agora uma segunda série de categorias que se relacionam com o tempo, e teremos pois ocasião de falar primeiro do papel da ideia de tempo nas filosofias da existência. Depois passaremos às categorias temporais, considerando em primeiro lugar o possível e o projeto, em segundo lugar a ideia de origem tal como a vemos particularmente em Jaspers  , e, em terceiro lugar, três ideias que são as ideias de agora, de situação e de instante.

Falaremos primeiro da ideia de tempo em geral.

Já tínhamos visto, a propósito de Kierkegaard  , que a existência consiste essencialmente em «ir sendo»; mas, logo em seguida, somos conduzidos a opor a ideia de Kierkegaard  , e, de uma maneira mais generalizada, existencial do «ir sendo», à ideia do «ir sendo» tal qual a concebe o hegelianismo; porque o tempo tal qual o concebe Hegel   é um «ir sendo» contínuo e é um «ir sendo» explicável e racional. O tempo de Kierkegaard   é um «ir sendo» descontínuo, feito de crises; e é um «ir sendo» que não é explicável, que contém coisas irredutivelmente novas, produtos das nossas decisões. Para Hegel  , o tempo é o «ir sendo» da Ideia. Para Kierkegaard  , é o ser em «ir sendo» do próprio indivíduo. Para Hegel  , o tempo leva-nos ao absoluto que se revelará no fim dos tempos e que, além disso, revelando-se no fim dos tempos, estará também presente no início dos tempos, de modo que o tempo leva-nos a um eterno que ultrapassa o tempo. Para Kierkegaard   há como que um centro do tempo que é o momento paradoxal em que o eterno se fez homem, o momento da encarnação, momento que, em rigor, não pode ser pensado, que é um enigma, um mistério e um escândalo.

Disse-se de várias filosofias contemporâneas, particularmente do pragmatismo, que são temporalismos. Poder-se-ia também aplicar este nome à filosofia de Bergson  , e pode-se aplicá-lo igualmente às filosofias da existência. [Nota: Refletindo sobre o título do trabalho de Heidegger, Sein und Zeit  , poder-se-ia pensar que para Heidegger o ser se identifica com o tempo. E sem dúvida ele pensa que para o estudo do único ser que conhecemos profundamente, o ser humano, cuja essência é a preocupação, chegamos à ideia de que a essência deste ser, graças à qual podemos talvez chegar à ideia da essência de qualquer ser, é o tempo. Contudo; ele não afirma que ser e tempo   sejam idênticos; mas pode afirmar que o tempo é o horizonte a partir do qual podemos aperceber o ser. E, segundo o que escreveu em Holzwege  , o ser revela-se diversamente segundo as épocas do tempo.]

Mas, uma vez que falamos de tempo, devemos opor imediatamente, nalguns pontos, Kierkegaard   aos seus sucessores, principalmente a Jaspers   e a Heidegger. Na realidade, eles acrescentam às considerações de Kierkegaard  , que encerram, de qualquer modo, o indivíduo na sua subjetividade e na relação desta subjetividade com Deus, a ideia que eles chamam Geschichtlichkeit, isto é a historicidade profunda. Já tivemos ocasião de dizer (p. 32) que é preciso distinguir entre o que significa o termo alemão Geschichte e o que significa o termo alemão Historie. A história é simplesmente a narração da sequência dos acontecimentos (Historie), tomados por assim dizer de uma maneira plana e como que se sucedendo uns aos outros, enquanto a historicidade é o próprio princípio do tempo histórico, é o facto de que um existente está profundamente numa situação temporal. Assim, Jaspers   e Heidegger acrescentam à ideia que tinha Kierkegaard   do indivíduo a ideia da sua historicidade profunda.