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A obra de arte literária - Prefácio de Maria Manuela Saraiva (2)
A obra de arte literária - Prefácio de Maria Manuela Saraiva (2)
Roman Ingarden
Ingarden
Roman Ingarden
ROMAN INGARDEN (1893-1970)
, A Obra de Arte Literária. Tradução de Albin E. Beau, Maria Conceição Puga e João F. Barrento. Prefácio de Maria Manuela Saraiva.
[b]§ 1. Ingarden
Ingarden
Roman Ingarden
ROMAN INGARDEN (1893-1970)
e Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
[/b]
Ingarden
Ingarden
Roman Ingarden
ROMAN INGARDEN (1893-1970)
foi discípulo de Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
em Göttingen, a partir de 1909 aproximadamente, e segue-o para Freiburg, onde este ensinou desde 1916 até ao fim da sua carreira docente.
Largos anos de convívio pessoal e uma comunicação de idéias que a separação não quebrou e se traduz por numerosos artigos sobre Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
e por uma volumosa correspondência mantida quase até à morte do fundador da fenomenologia, em 1938 (Supomos, por indicações do Prefácio de 1930, que Ingarden
Ingarden
Roman Ingarden
ROMAN INGARDEN (1893-1970)
permaneceu um ou dois anos em Freiburg. O que perfaz cerca de oito anos de «aprendizagem» husserliana.).
Da profunda marca deixada pelo professor e amigo no jovem estudante polaco que, por volta dos dezoito anos, chega a Göttingen para conhecer o autor das Logische Untersuchungen, é a presente obra testemunho irrefutável. Influência profunda que se alia a não menor independência de espírito. Ê esta a sorte comum de todos os grandes iniciadores. Mas talvez só eles mereçam ter discípulos dissidentes…
O debate entre Realismo e Idealismo (que, segundo Ingarden
Ingarden
Roman Ingarden
ROMAN INGARDEN (1893-1970)
, é o horizonte último dentro do qual se investiga a essência da obra literária), as sérias reservas feitas ao idealismo transcendental e outras posições do filósofo polaco só se podem entender à luz da doutrina das Investigações Lógicas e da evolução de Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
durante o chamado período de Göttingen (1901-1916). Esta evolução surpreendeu a maioria dos seus adeptos da primeira fase; H. Spiegelberg, que conheceu muitos deles pessoalmente, fala mesmo de consternação, «consternação crescente».
No começo do século, em 1900 e 1901, Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
publica os dois volumes de wna das obras que marcarão profundamente esse mesmo século, as Investigações Lógicas, cuja repercussão no mundo intelectual alemão foi enorme. E precisamente em 1901 deixa Halle e é nomeado professor em Göttingen. Atraídos pela leitura deste livro, pelo prestígio do seu autor, começam, por volta de 1905, a chegar à célebre cidade universitária os primeiros discípulos, estudantes ou jovens professores. Entre eles, Adolf Reinach, Johannes Daubert, Moritz Geiger, Theodor Conrad, Hedwig Conrad-Martius, Wilhelm Schapp, Alexander Koyré
Koyré
Alexandre Koyré
ALEXANDRE KOYRÉ (1892-1964)
, Jean Héring, Roman Ingarden
Ingarden
Roman Ingarden
ROMAN INGARDEN (1893-1970)
, Edith Stein
Edith Stein
EDITH STEIN (1891-1942)
e outros. A guerra de 14 dispersa definitivamente estes primeiros ouvintes e críticos que, entretanto, formaram «círculos fenomenológicos» em Munique e em Göttingen. Mas a «Primavera fenomenológica», como J. Héring chamou a esta época de intensa vitalidade e entusiasmo, declina muito antes, se a entendermos como adesão sem reservas. Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
nunca teve a equipa de investigadores que desejou, trabalhando sistematicamente segundo o seu plano e o seu método n. Não falando já das defecções célebres de Max Scheler
Scheler
Max Scheler
MAX SCHELER (1874-1928)
e de Heidegger, esta numa fase posterior, o primeiro choque que alertou o ainda reduzido grupo de fenomenólogos-aprendizes foi o curso de Verão de 1907, que ficou inédito até 1947. Aí aparece, segundo os comentadores actuais, o primeiro esboço da redução transcendental. Por outras palavras, aí começa Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
a abrir caminho para a verdadeira fenomenologia, que tem o seu acto oficial de nascimento em 1913 com a publicação do vol. I das Idéias para uma Fenomenologia Pura e Filosofia Fenomenológica.
Em 1929, R. Ingarden
Ingarden
Roman Ingarden
ROMAN INGARDEN (1893-1970)
trabalhava no presente estudo quando aparece Lógica Formal e Transcendental, onde o idealismo husserliano é confirmado uma vez mais; a esta obra se refere no Prefácio de 1930, para sublinhar com júbilo os pontos de convergência entre o seu pensamento e o do antigo mestre, para recusar, com certa subtileza mas de maneira inequívoca, o idealismo transcendental. Este é, de facto, quanto a nós, a opção filosófica de baseado método fenomenológico, da fenomenologia tal como Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
a concebeu. Mas esta recusa, que não é só de Ingarden
Ingarden
Roman Ingarden
ROMAN INGARDEN (1893-1970)
, como vimos, vem de muito antes!
Podemos imaginar sem custo o jovem estudante polaco chegando a Göttingen, por volta de 1910, trazendo na bagagem as Investigações Lógicas (é ele quem o diz, algures) e verificando que o seu autor ultrapassara já a fase atingida por essa obra, fase pré-transcendental em que apenas se propusera estabelecer com rigor as bases de uma nova lógica e em que (herança do positivismo, já decadente, mas com muita força ainda) tentara manter-se numa neutralidade filosófica em relação ao Idealismo como ao Realismo.
Esta neutralidade, aliás, é discutível. Entre os especialistas de Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
há quem veja, hoje, nas Investigações uma orientação idealista. Mas a primeira reacção foi diferente. E Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
contribuiu muito para essa interpretação ao dizer «com uma ironia séria»: «Os verdadeiros positivistas somos nós!»
A fenomenologia das Investigações Lógicas ou a ilusão das terceiras vias! A Primavera de Göttingen ou o desmoronar de mal-entendidos que, mais uma vez, Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
foi o primeiro a criar com a sua famosa palavra de ordem: Zu den Sachen selbst! Nada que não sejam as próprias coisas (die Sachen selbst), vistas em si mesmas e com um olhar novo. . . A intuição.. . A pura descrição das essências — e, para começar, das essências ou idéias lógicas.
Hegel
Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831)
provisoriamente expulso da circulação na Alemanha, Freud
Freud
Sigmund Freud
ensaiando os primeiros passos, Nietzsche
Nietzsche
Friedrich Nietzsche
FRIEDRICH WILHELM NIETZSCHE (1844-1900)
, o obscuro, a poucos acessível, Kierkegaard
Kierkegaard
SØREN AABYE KIERKEGAARD (1813-1855)
ainda não descoberto senão no seu país, onde ninguém é profeta: a cena filosófica está vazia. Cansados dum kantismo que sobrevivia em comentários de comentários ou em secundárias ramificações de escola, dum positivismo redutor e pobre, duma psicologia adolescente, ingênua e aguerrida que se julgava o centro do universo, compreende-se que os primeiros leitores e ouvintes de Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
vissem nele o que os franceses viram em Bergson
Bergson
H. leu e trabalhou Bergson com paixão no início dos anos 1920, como declarou em carta a sua esposa. (LDMH)
: um renovador. Um renovador que afirma a necessidade de regressar ao concreto, à experiência imediata: a intuição das essências; que recusa opções metafísicas; que introduz uma certa ordem na lógica, anexada pela psicologia; que forja ou renova noções que se consideram chaves capazes de abrir todas as portas. Antes de mais, a noção de intencionalidade.
Infelizmente para os primeiros entusiastas, em 1907 e em 1913 Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
dá dois grandes passos na direcção do idealismo transcendental. Regresso a Kant
Kant
Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou.
ou a algo de muito parecido com a filosofia de Kant
Kant
Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou.
? Infidelidade ao ideal da fenomenologia como ciência rigorosa? Repúdio de uma concepção supostamente realista do princípio de intencionalidade?
Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
é um eterno iniciador. Em cada obra se renova, em cada estudo recomeça a caminhada infatigável para fundar a filosofia. Um projecto inicial que se mantém, alargando-se sempre, em cada fase uma versão nova da fenomenologia. Ê por isso que encontramos hoje tantas fenomenologias diferentes: a de Sartre
Sartre
Jean-Paul Sartre
JEAN-PAUL SARTRE (1905-1980)
Excertos, por termos relevantes, de sua obra original em francês
, a de Merleau-Ponty
Merleau-Ponty
Maurice Merleau-Ponty
MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961)
Extratos por termos relevantes
e, muito antes, a de Reinach, a de Pfander, a de Nicolai Hartmann, a de Max Scheler
Scheler
Max Scheler
MAX SCHELER (1874-1928)
. A de Roman Ingarden
Ingarden
Roman Ingarden
ROMAN INGARDEN (1893-1970)
.
O mestre forneceu os materiais de base. Com eles, cada um dos ouvintes ou leitores muito cedo foi para o seu canto trabalhar, erguer a sua tenda. A de Ingarden
Ingarden
Roman Ingarden
ROMAN INGARDEN (1893-1970)
é uma entre tantas outras.
Destrinçar o que nela há de autenticamente husserliano e de elaboração pessoal, repetimos, seria matéria para um estudo profundo e extenso. Aqui, temos de nos limitar a abrir caminhos. Mas o que foi dito permite ir um pouco mais longe.
Nas suas linhas gerais, o problema põe-se mais ou menos nestes termos: enquanto Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
se renova constantemente, Ingarden
Ingarden
Roman Ingarden
ROMAN INGARDEN (1893-1970)
, de certa maneira, parou ao nível das Investigações Lógicas e de Idéias, muito mais perto da primeira que da segunda obra.
Não que Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
fosse a única influência recebida. Igualmente importantes foram as de Pfander e de Bergson
Bergson
H. leu e trabalhou Bergson com paixão no início dos anos 1920, como declarou em carta a sua esposa. (LDMH)
. E o leitor pode verificar por si a numerosa lista de outros autores citados neste volume. Também não pensamos que Ingarden
Ingarden
Roman Ingarden
ROMAN INGARDEN (1893-1970)
tenha aceitado em bloco as Investigações, pois se afasta delas em pontos importantes. Sabemos, por outro lado, que é bom conhecedor de escritos posteriores de Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
, publicados ou inéditos, alguns dos quais são aqui referidos. Queremos dizer que os problemas que mais fundamente o tocaram e suscitaram a sua reflexão vêm das Investigações Lógicas e de Idéias. É dentro da problemática destas obras que se move, do seu conteúdo ou do impacto por elas produzido — dos aplausos, dúvidas, perplexidades, críticas, interpretações várias que suscitaram.
Quer as aceite, quer as rejeite ou discuta, é dentro deste horizonte que se mantém. Um exemplo do primeiro caso, o «fantasma» do psicologismo; do segundo, o debate entre Realismo e Idealismo.
Diremos uma palavra sobre cada um deles, começando pelo último.