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Dastur (2015:81-86) – Binswanger e Heidegger
Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
, a despeito de algumas afirmações imprudentes, não desconhece a diferença entre o nível ontológico das análises heideggerianas e o nível propriamente antropológico onde ele situa as suas. Sua oposição fundamental a Heidegger advém, como ele mesmo explica, do fato de que ele fala “não do Dasein enquanto a cada vez meu, teu ou seu, mas do Dasein humano em geral, ou do Dasein como “humanidade”. Eis aí o núcleo da questão. É exatamente isso que Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
considera como o ponto de partida da análise existencial, a saber, a Jemeinigkeit do Dasein à qual, ele confessa, ainda em 1962, não ter chegado a se adaptar. Vem daí as reiteradas críticas a Heidegger por descuidar da nostridade e por, a despeito de sua insistência em fazer do Mitsein, do ser com os outros, o que constitui originalmente o ser-no-mundo do Dasein, continuar a acentuar, do ponto de vista existencial, o ser si mesmo, como é o caso em Kierkegaard
Kierkegaard
SØREN AABYE KIERKEGAARD (1813-1855)
, de quem ele considera que Heidegger apenas secularizou o ideal religioso da existência. Para Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
, ao contrário, “é apenas da nostridade que ‘nasce’ a ipseidade”, a Wirkeit, a nostridade, sendo “anterior” tanto ao eu quanto ao teu. [81]
Vem daí o fato de “a questão cardinal” colocada por Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
ser a de saber se o amor deve ser compreendido a partir da temporalidade no sentido heideggeriano e, então, a partir da estrutura do cuidado ou se, ao contrário, ele não se temporaliza de modo nenhum. Se o amor não pode ser compreendido a partir do cuidado, o que para Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
deriva de seu próprio ponto de partida que é a nostridade, isso não quer dizer que ele esteja de algum modo “para além do tempo”, mas que sua temporalidade “deve ser interpretada não a partir da finitude do Dasein, mas a partir da infinitude”, a infinitude e a eternidade do amor, das quais encontramos testemunho nos poetas, e das quais a “pressuposição” é, segundo Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
, fenomenologicamente atestável e imediatamente comprovável no encontro amoroso. A “divergência” que, assim, o separa de Heidegger concerne ao estatuto do amor, que, de uma parte, transcende o cuidado, e de outra, se revela como um a priori, como o que torna possível a Erschlossenheit mesma, a abertura do Dasein ao ser. O que Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
afirma sem ambiguidade é “o primado fenomenológico do amor sobre o cuidado”, sem, contudo, renunciar a pensar ontologicamente o amor, sua transcendência não remetendo a nenhum “além” no sentido metafísico ou religioso. No entanto, o primado do amor só se pode compreender, paradoxalmente, sobre o fundamento da análise heideggeriana do Dasein como cuidado, nunca estando o amor na vida cotidiana senão “em união” com o cuidado, pois “o Dasein só pode ser enquanto infinito na medida em que ele é finito”. [82]
Vemos, portanto, que não se trata, com as Grundformen, nem de uma réplica à análise existencial, nem de uma simples extensão dela, mas sim de sua subversão interna a partir da noção fundamental de nostridade, com a qual Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
acha que faz quebrar o quadro “solipsista” demais da concepção heideggeriana da existência. A oposição maior está consequentemente entre a Jemeinigkeit, o sempre a cada vez meu heideggeriano, e a Wirheit, a nostridade binswangeriana, que deve muito ao Je et tu de Buber, distinguindo-se dele, porém, pelo fato de que ela resulta imediatamente do encontro amoroso não precedido por nenhuma busca por um tu. Tal nostridade não remete a um nós plural, mas a um nós dual, no sentido linguístico do termo, e ela não resulta da dualidade do eu e do tu, mas, ao contrário, a precede, na medida em que um não existe sem o outro, de sorte que ela consiste numa verdadeira communio. Tal nostridade constitui para Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
uma unidade originária que não pode de modo nenhum ser derivada do si mesmo, mas que, ao contrário, torna possível todo si mesmo e toda ipseidade. É essa unidade do eu e do tu no amor que Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
chama de “coração” (Herz), no que essa palavra significa a superabundância (Überschwang) mesma do amor, o que nele transcende (überschwingt) o mundo do cuidado.
Há, de fato, para Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
uma “realidade do amor” sobre a qual ele afirma sem rodeios que constitui “o mais real de ‘nosso’ Dasein”, rompendo, assim, tanto com Feuerbach, de quem ele se sente, por outros motivos, [83] muito próximo, quanto com Freud
Freud
Sigmund Freud
, que vê todos os dois, o eu e o tu, no amor como estando numa ilusão. Não se trata certamente de ver na libido a origem do fenômeno amoroso, mesmo que se possa encontrar no amor sexual a sua realização mais elevada — e há nesse ponto uma “diferença imensa” entre o ponto de vista genético da psicanálise e o ponto de vista antropológico de Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
que “impede comparar sua concepção com a da psicanálise”.
O verdadeiro pomo da discórdia entre Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
e Heidegger concerne, então, à noção de Jemeinigkeit, o ser a cada vez meu, com relação à qual é preciso lembrar que constitui uma estrutura distributiva que Heidegger nomeava inicialmente em 1924 como Jeweiligkeit, o ser cada vez transitório do Dasein. Pela noção de Jemeinigkeit, de minhidade (mienneté), não é a “essência” do Dasein que é definida, mas a sua maneira eminentemente temporal de ser. Abandonar o pensamento da essência implica que se perceba ao mesmo tempo a finitude do tempo e a estrutura plural da existência. Ser-no-mundo e ser-com-os-outros são existenciais cooriginários, de modo que não se pode ter um sem o outro, o que Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
não negligencia, mas que ele não pode aceitar, pois ele vê aí um “salto” ilegítimo: é sobre a tese segundo a qual o Dasein é sempre [84] Mitdasein, coexistente, que ele declara que ela “arrasta (…) atrás de si ainda hoje um enredamento de questões não resolvidas”.
A “minhidade” da existência não é, então, de modo nenhum incompatível com o ser-com-os-outros, pois o isolamento extremo, o do ser-para-a-morte, não é a negação, mas a pressuposição do ser com os outros em geral. Isso que cada um tem em comum com os outros é precisamente sua Jeweiligkeit, de modo que a diferença insuperável entre o eu e o outro é o que me torna igual a ele, e o que me separa dele é precisamente o que eu posso compartilhar com ele. O erro consiste, portanto, em pensar que Heidegger parte do homem “isolado” para lhe atribuir apenas depois a relação com o outro. É a razão pela qual ele insiste sobre o sentido existencial-ontológico do Mitsein que é “uma determinação do Dasein a cada vez própria”. O ser do Dasein é o ser-com-os-outros e não a egoidade individual do sujeito isolado, de modo que cada vez que Heidegger usa o termo Dasein, o ser-com-os-outros está coimplicado. Sendo assim, não se pode compreender nada de Ser e tempo
GA2
Sein und Zeit
SZ
SuZ
S.u.Z.
Être et temps
Ser e Tempo
Being and Time
Ser y Tiempo
EtreTemps
STMS
STFC
BTMR
STJR
BTJS
ETFV
STJG
ETJA
ETEM
Sein und Zeit (1927), ed. Friedrich-Wilhelm von Herrmann, 1977, XIV, 586p. Revised 2018. [GA2] / Sein und Zeit (1927), Tübingen, Max Niemeyer, 1967. / Sein und Zeit. Tübingen : Max Niemeyer Verlag, 1972
se se vê no Dasein um simples nome diferente do “sujeito” ou do “eu” e se não se leva em consideração o fato de que “o Dasein é essencialmente nele mesmo ser-com-os-outros.
Para Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
, Heidegger não chegou a dar lugar ao amor em sua concepção da relação com o outro, porque ele o compreende, sobre a base do cuidado, como preocupação (Fürsorge), termo que pode ser traduzido em francês, como o faz o tradutor de Être et temps
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Sein und Zeit
SZ
SuZ
S.u.Z.
Être et temps
Ser e Tempo
Being and Time
Ser y Tiempo
EtreTemps
STMS
STFC
BTMR
STJR
BTJS
ETFV
STJG
ETJA
ETEM
Sein und Zeit (1927), ed. Friedrich-Wilhelm von Herrmann, 1977, XIV, 586p. Revised 2018. [GA2] / Sein und Zeit (1927), Tübingen, Max Niemeyer, 1967. / Sein und Zeit. Tübingen : Max Niemeyer Verlag, 1972
(Ser e tempo
GA2
Sein und Zeit
SZ
SuZ
S.u.Z.
Être et temps
Ser e Tempo
Being and Time
Ser y Tiempo
EtreTemps
STMS
STFC
BTMR
STJR
BTJS
ETFV
STJG
ETJA
ETEM
Sein und Zeit (1927), ed. Friedrich-Wilhelm von Herrmann, 1977, XIV, 586p. Revised 2018. [GA2] / Sein und Zeit (1927), Tübingen, Max Niemeyer, 1967. / Sein und Zeit. Tübingen : Max Niemeyer Verlag, 1972
), F. Vezin
Vezin
François Vezin
VEZIN, François (1937)
, por “souci mutuei” (cuidado mútuo). Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
, diferentemente de Boss, não viu o interesse que pode trazer para um psiquiatra a distinção heideggeriana entre duas formas “positivas” de preocupação, por oposição aos modos cotidianos de nossa relação com o outro que são de uma preocupação deficiente ou indiferente que não visa realmente ao outro enquanto tal, mas [85] o identifica mais ou menos com o conjunto de utensílios de que se compõe o Umwelt (mundo circundante) cotidiano. A primeira dessas formas é a da preocupação “substitutiva”, não isenta de certa violência, que consiste em ajudar o outro, tomando a responsabilidade de seu cuidado e o reduzindo a uma posição de dependência. A segunda é a de uma preocupação, ao contrário, “antecipadora” que consiste em ajudar o outro em vista de lhe permitir tomar ele mesmo responsabilidade de sua própria existência. Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
considera essa segunda forma de preocupação como oriunda ainda do mundo do cuidado, já Boss vê ai, ao contrário, a descrição da relação terapêutica ideal, que Heidegger, além disso, aproxima nos Zollikoner Seminare da maiêutica socrática. Desse modo, é nesse deixar-ser o outro como cuidado autêntico que Heidegger vê a forma mais elevada da relação com o outro. Eis porque, a Binswanger
Binswanger
Ludwig Binswanger
LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
, que o critica por ter esquecido o amor, ele responde nos Zollikoner Seminare que é sobre o cuidado, compreendido no sentido ontológico de abertura fundamental do existente ao futuro, que se funda o amor assim como o ódio. Ele acrescenta ainda: “pode-se mesmo esperar que a determinação essencial do amor, que busca um fio condutor na determinação do Dasein possível pela ontologia fundamental, seja mais essencialmente profunda e de uma estatura bem maior que essa (a de Binswanger
Binswanger
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LUDWIG BINSWANGER (1881-1966)
) caracterização do amor que vê nele algo mais elevado que o cuidado.
Ver online : Françoise Dastur
CABESTAN, Philippe; DASTUR, Françoise. Daseinsanálise: fenomenologia e psicanálise. Rio de Janeiro: Via Verita, 2015