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Barbuy: A Nação e o Romantismo
sexta-feira 8 de outubro de 2021, por
9. A descoberta romântica do Inconsciente enriqueceu extraordinariamente todos os campos do conhecimento e da imaginação humana. O Inconsciente é o reino esquecido aonde se recolhem todas as vivências do passado pessoal e popular. Não é um depósito de recalques, como supunha Freud , mas um princípio ativo pelo qual o passado age no presente. — No mesmo ano, (1814), apareceram a Simbólica dos sonhos de G. H. von Schubert (que, com Carus formulou a tese do Inconsciente), e os Contos Populares dos Irmãos Grimm, que fundaram o que depois veio a ser o Volklore. O Inconsciente está associado a todos os contos populares, os contos de heróis e de fadas, tesouros que dormem na alma popular.
Ao inconsciente, como relicário das memórias ancestrais, está ligado o culto nostálgico da idade heroica e da Mutterland perdida. Os Irmãos Grimm lançaram um movimento linguístico e literário que depois acompanhou toda a evolução do romantismo e nutriu o culto das grandes nostalgias e das grandes façanhas. O movimento de ressurreição da Idade Média, iniciado na época do Sturm und Drang, e do qual Goethe participou, teve, na Alemanha, um forte aspecto nacionalista, que assumiu a sua plenitude com os Irmãos Grimm. A Gramática Alemã, a História da Língua Alemã, a Mitologia Alemã foram escritas por Jacob Grimm; a reconstituição das lendas heroicas germânicas, inclusive a Rolandslied, se deve a Wilhelm Grimm. O resultado foi a introdução do método histórico no estudo da gramática e a revitalização de todas as antiguidades e lendas germânicas: Foi como a ressurreição das fontes da língua, que retornou ao presente com todas as lendas e contos populares a que deu forma. Juntos, os Irmãos Grimm começaram um gigantesco Dicionário da Língua Alemã, cuja preocupação era restabelecer os antigos radicais germânicos, expurgando os termos de procedência estrangeira [8]. Este movimento, associado à ideia do inconsciente popular, portador das antigas tradições, teve enorme importância para o nacionalismo cultural.
A imagem da comunidade primordial, os deuses pré-cristãos, o Walhalla, Wotan e Thor, os heróis legendários, a árvore Ygdrasil, o sopro e a tempestade das grandes florestas, tudo o que retomou sua forma na música wagneriana, são tesouros do inconsciente do Volk. Os deuses, ardentemente chamados por Hölderlin , voltaram efetivamente com Wagner. Em Wagner, mais do que em Schubert, Beethoven e Brahms, a música se explicitou como linguagem específica do inconsciente nacional. A música não tem, como a linguagem falada, um conjunto de significados mais ou menos delimitados, conscientes e lógicos; a música irrompe do inconsciente mais profundo, trazendo consigo a nostalgia, a evocação, os transes emocionais inexplicáveis^ a música evoca as matrizes originais. Por isso, mais do que a linguagem falada, a música se apresentou muitas vezes aos românticos como a efusão direta da sua Urquelle. O tesouro encontrado por Siegfried na caverna subterrânea é a imagem da riqueza sepulta no inconsciente; os anões que guardavam o tesouro petrificaram-se, assim como nas torrentes do movimento emocional se petrificam os obstáculos conscientes à revelação das vivências profundas. E cada povo, segundo os românticos, se encontra e se manifesta a si mesmo, quando descobre esse tesouro oculto no seu inconsciente.
[8] Esse gigantesco Dicionário, começado pelos Irmãos Grimm, foi terminado em 1961, depois de cem anos de trabalho e colaboração de várias gerações. Compõe-se de 32 volumes, redigidos na linha da inspiração original.