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Barbuy: A Nação e o Romantismo
sexta-feira 8 de outubro de 2021, por
8. Os românticos restauraram o prestígio e o poder dos mitos como força plasmadora das Nações [4]. Mas o Mytho, tal como é interpretado na linha romântica, não tem nada de parecido com o “mito”, no sentido vulgar de mentira e de invenção humana. O Mytho, para os românticos é a projeção da vontade divina, uma força que plasma a história e plasma a nação, longe de ser plasmada por elas. O Mytho se identifica com o primordial, com o fundamento, com o arquetípico; como diz Kérényi [5], o mito é a motivação dos fins (Begründung) pelo retorno espontâneo ao fundo das causas, Grund. — Particularmente numa filosofia como é a filosofia alemã, onde o ser e o vir-a-ser se identificam, o Mytho assume toda a sua importância identificando a essência com a primordialidade. Ou seja, a essência de um ser é o que ele tem de primordial, de mítico. E a atualidade de um ser, no seu desenvolvimento histórico, é o mito desdobrando-se no tempo [6].
Nessa perspectiva, a Nação se assimila facilmente ao Mito, como princípio arquetípico do seu desenvolvimento, que se torna conhecido à medida em que se explicita. Eis porque a essência do nacionalismo romântico é o historicismo metafísico, que vê na História o desenrolar-se de um Princípio Absoluto. — A insopitável repugnância de todos os românticos à “Ilustração”, ao intelectualismo, ao racionalismo, isto é, a tudo quanto está separado das raízes maternas da vida, tem sua razão de ser nesse culto do Mito, que justamente por ser um culto, é anotado pelos românticos como a base da única verdadeira Cultura.
Os românticos baniram portanto todas as interpretações humanísticas segundo as quais os mitos são representações de formas políticas, sociais ou econômicas. O culto de Hölderlin pelos Mitos, por exemplo, não pode ser identificado com nenhuma espécie de humanismo, como tem sido: Antes, é o culto do não-humano, ou do sobre-humano. O Mito aparece nesse culto, não como representação de formas políticas, sociais ou econômicas, mas ao contrário, como a fonte dessas formas. O Mito é a expressão concreta a sintética duma certa visão do mundo, cujas formas externas são a sua explicitação. Spengler , por exemplo, mostrou que todas as nossas noções da realidade e todas as descobertas científicas, já estavam contidas nos pressupostos originais da cultura fáustica, isto é, da cultura ocidental. E outros autores identificam a visão cristã do mundo com todos os processos técnicos que dominam a vida atual.
A identificação do Volk-Nation com o mito originário se manifesta já nas expressões Urvolk, Ursprache, Urquelle, Urflüssige. Este prefixo UR, sugerindo a noção da essência primordial, indica a força plasmadora do espírito original na História. A ideia de Nação se reveste de grande poder emocional, quando associada à ideia de mito originário. Torna-se uma categoria emotiva e religiosa, objeto daquela Einfühlung ou compenetração simpática de que falava Herder.
Os românticos, pela sua natureza mesma, sempre se apoiaram no valor cognoscivo da emoção, do sentimento, da intuição mística, da Gemüt, contra os esquemas e excogitações racionais. Opuseram o Mito à fórmula, a natureza à razão e simbolicamente a Noite ao Dia. Combateram pois todos os projetos abstratos de sociedade, de Estado e de nação. Dedicaram-se a denunciar todas as contradições da teoria iluminista da perfectibilidade indefinida da “espécie humana”. Repeliram todas as explicações mecânico-causais, como índices confessos da mentalidade diurna, quotidiana, burguesa e superficial do mundo e da vida. Foram eles que descobriram o Inconsciente [7]
[4] A fé nos povos originais promoveu muitas vezes nos românticos a identificação da Grécia com a Alemanha. Nos poemas de Hölderlin, a Grécia e a Alemanha se fundem numa visão mítica. Nas investigações de Heidegger, procura-se o retorno ao grego mais arcaico, como o princípio germinal de desenvolvimento. Hölderlin foi uma chave para Heidegger; ao mesmo tempo, Hölderlin é o poeta dos Mitos mais antigos e o poeta do sentimento nacional; não será o caso de citar seus poemas diretamente nacionais, como por ex., Gesang des Deustchen, An die Deutchen, Der Tod Fürs Vaterland, Germanien, porque quase todos os seus poemas são realmente nacionais, fundindo a nação e o Mito, numa única visão.
[5] Na importante obra que escreveu juntamente com C. G. Jung, traduzida para o francês sob o título Introduction à l’Essence de la Mythologie, Payot, 1953, págs. 16 e 17.
[6] Por isso, identificar a História com o processo do Mito, não é tornar a História estática (como sugere Meinecke), mas ao contrário, é identificar a História com seu próprio desenvolvimento.
[7] Descobriram o Inconsciente, justamente porque cultuaram o magnetismo, o sonambulismo, a astrologia, a alquimia e o meta-psiquismo. O Inconsciente, Unbewusstsein, descoberto pelos românticos, veio depois a revolucionar completamente toda a psicologia; Freud encontrou o Inconsciente já descoberto há quase cem anos, quando formulou a sua psico-análise. A teoria do Inconsciente vem de Carus e de G. H. von Schubert, (se não quisermos lembrar as sugestões no mesmo sentido feitas por Leibniz e Hegel), Carus; e von Schubert receberam a influência de Schelling, que se dedicava a estranhas experiências de sonambulismo. A mística, o sortilégio, o inconsciente, o sub-consciente, a magia branca e a magia negra, o hipnotismo, a dupla personalidade (Doppelgang), o poder misterioso dos eflúvios da natureza, a audiência das entidades invisíveis, foram temas que fascinaram os românticos. O romantismo foi herdeiro direto da alquimia medieval e da sua mística. Os antecedentes da sua filosofia estão em Meister Eckhart e Jakob Böhme. Franz von Baader, pelas suas conferencias sobre Böhme, pelo seu convívio com Schelling e pelo seu pensamento próprio é um elo importantíssimo nessa corrente que vem até os neo-platônicos da atualidade. Os românticos cultuaram o Inconsciente como aspecto noturno da personalidade; tiveram o culto da Noite, não só da noite individual e subjetiva, mas também e principalmente da Noite Cósmica, como anterior ao Dia e mesmo revelação dos segredos mais profundos da natureza. G. H. von Schubert escreveu uma obra expressiva até no seu título: Aspectos do lado Noturno das Ciências da Natureza. A obra de Friedrich von Hardenberg, — Novalis — está centrada no culto da Noite e por meio da Noite na compenetração simpática da Natureza. Seus Hinos à Noite e seu estranho fragmento Os Discípulos de Saís, exprimem esse sentimento profundo, Naturgefühl, que faz com que o poeta e a natureza se identifiquem como duas faces do mesmo espírito: A identidade do Espírito e da Natureza, tal é o tema da filosofia idealista, que vê o mundo gerado pela magia do Espírito. Joseph von Görres, místico católico, teve o culto da Noite Cósmica (vide Alfred Beaumler, Der Mythus von Orient und Occident, Beck’sche Verlag, 1956) e dentre suas obras uma das mais importantes foi dedicada à Magia: Die Christliche Mystik: Mystik, Magie und Dämonie.