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Barbuy: A Nação e o Romantismo

sexta-feira 8 de outubro de 2021, por Cardoso de Castro

16. Além disso, todos os românticos encontravam a unidade de seus pontos de vista na repugnância ao cosmopolitismo, a toda e qualquer ordem burguesa, fundada nos enunciados sócio-econômicos do liberalismo. Para tanto, a Nação corporificada no Estado, apareceu como a defesa natural contra a anarquia burguesa dos interesses individuais, contra a separação do indivíduo e do seu Volk, contra as políticas anti-nacionais. O pressuposto era que, na medida em que o Estado é o que deve ser, isto é, na medida em que se identifica com a comunhão nacional, não pode ser liberal, nem individualista. O interesse individual em si é uma ficção porque gira em torno de valores culturais, valores explicitados pela cultura do Volk. O Estado exprime, ou deve exprimir, o mundo dessa cultura do Volk orgânica; é a forma objetiva da comunidade no legítimo e antigo sentido da palavra Gemeinschaft.

Romântica é a obra de Ferdinand Tönnies, Gemeinschaft und Gesellschaft que desenvolve a distinção, já implícita no romantismo anterior, entre a comunidade e a sociedade. A comunidade entende-se como um todo anterior às partes, cujas diferenciações internas são pequenas e cuja solidariedade é orgânica e não mecânica. A sociedade, ao contrário, entende-se como soma das partes que a constituem, grupo mecanicamente integrado por interesses pessoais, formado pela associação voluntária premeditada. A comunidade é portadora da cultura, tem caracteres próprios e inconfundíveis, é a expressão legítima do Volk, dominado pela figura do camponês ou do artífice. A sociedade não é cultura, mas apenas civilização; não tem caráter próprio, por ser internacional e cosmopolita; é a expressão das massas urbanas, erradicadas e sem alma; transpola todos os valores para o ideal do lucro e do conforto e seu centro de gravidade está no indivíduo e na figura do mercador.

Os românticos, com seu ódio inextinguível à figura do mercador, conceberam a Nação segundo o modelo da comuna medieval, dilatada porém, de modo que a Mutterland local se fundisse com a Vaterland nacional. Conservar os caracteres da comunidade original, imprimindo à Nação um ritmo enérgico de atividades, centradas na tábua dos valores culturais, tal foi o programa dos sociólogos e economistas da Escola Histórica. Nada seria mais interessante do que expor as importantes teses elaboradas por Fichte   neste sentido, em sua obra Der geschlossene Handelstaat, onde, pela primeira vez, aparece a doutrina da autarquia econômica nacional e a teoria do papel-moeda; por Adam Müller, com sua importantíssima tese do capital espiritual como fator da produção, com sua visão do todo nacional como a unidade duma longa série de gerações passadas, presentes e futuras que constituem uma íntima e essencial realidade; por Heinrich von Thünnen, com suas teorias da renda, dos círculos concêntricos do mercado e suas preocupações com o salário social justo; por Friedrich List, com seu sistema nacional de política econômica e com sua aplicação da ideia de capital espiritual, onde a Nação, como força que produz a riqueza, se torna muito mais importante do que a riqueza mesma.

Todos esses economistas dirigiram severas críticas à economia liberal de Smith-Ricardo. Mostraram por exemplo que a teoria econômica não se pode fundar no indivíduo isolado, porque o indivíduo pressupõe o Estado com sua moeda, sua economia, seu caráter nacional e suas perspectivas históricas; mostraram como A Riqueza das Nações de Smith ignorava o que era riqueza e não sabia o que era Nação; como o preço não exprime o valor, porque o preço é contingente, mas o valor é essencial, derivando da função de cada objeto na estrutura do Estado. Observaram que o pensamento liberal, fundado na teoria dos interesses e dos instintos do indivíduo, constitui a negação dos fatores essenciais que são os fatores históricos; falta-lhe a tensão da temporalidade; é cosmopolita, internacional, a-histórico. Friedrich List não pôde perdoar aos liberais o terem esquecido o elemento temporal da economia; os liberais pregaram a liberdade do indivíduo, mas uma liberdade abstrata, fora do seu âmbito histórico, fora do campo das possibilidades onde se dão suas decisões, isto é, fora do campo das perspectivas culturais que possibilitam as decisões entre as quais a liberdade escolhe. E fabricaram o indivíduo abstrato pela sua incapacidade de pensar em termos históricos e concretos. — Os românticos, ao contrário, tiveram a preocupação essencial da temporalidade; sabiam que a história é tempo e não espaço; fundaram por isso a noção do processo como continuidade vital; sabiam que tudo o que é processual é histórico; a sociologia, como a estética e a economia, se lhes apresentou sempre como ciência de categorias históricas.