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Barbuy: A Nação e o Romantismo
sexta-feira 8 de outubro de 2021, por
15. Muitos românticos puderam, coerentemente, adotar a tese da Nação como totalidade fechada e ser ao mesmo tempo católicos. Isto se explica pelo pressuposto de que concebiam a Igreja como universal — e não como cosmopolita —, como ecumênica, — e não como internacional. Franz von Baader , por exemplo, esposou a tese da sociedade nacional como organismo, e neste sentido foi que dirigiu ao capitalismo críticas muitos mais sérias e mais profundas que as de Marx [15]; Baader pôde considerar a Nação como totalidade orgânica e acreditar ao mesmo tempo na ordem universal regulada pela Ética da Igreja. Joseph von Görres procurava as raízes da alma nacional nos mitos mais antigos, comparava a Nação a uma planta celeste e via na história nacional um organismo biológico em crescimento; relacionava a linguagem com as disposições internas da alma popular, como duas faces da mesma unidade; romântico nacionalista dos mais acendrados, esta condição não o impediu de acreditar no sentido universal da Igreja.
Os românticos, católicos e protestantes, cultuaram a nostalgia da perdida unidade, a lembrança poética do Sacro-Império Romano -Germânico. Um dos testemunhos mais pungentes dessa reminiscência foi o escrito de Novalis , Die Christenheit oder Europa. Novalis , que era protestante, pregava, na linha dos românticos católicos, a reconstituição ecumênica da Europa. Novalis pensava numa Europa confederada, dirigida — não por um governo internacional — mas por um venerando concílio europeu, do qual a Cristandade devia renascer.
Os românticos viam que a união da Igreja e do Império havia dado ao Império um sentido espiritual transcendente e ao Papado uma tradição de nobreza e cavalheirismo. A luta secular entre Papado e Império havia sido a ruína de ambos: o Império perdeu seu sentido ecumênico, sua significação de fulcro e centro da Cristandade. O Papado perdeu sua condição de árbitro universal da Cristandade. Deixou de ser a coroa de uma ordem hierárquica ecumênica. Da guerra entre o Papado e o Império nasceu a fragmentação da Cristandade; desapareceu o caráter sagrado das instituições imperiais e preparou-se o mundo moderno, com seu racionalismo e sua falta de sentido religioso.
Muitos foram os românticos que viram, na ação conjunta do Papado e da monarquia francesa, uma guerra insidiosa e secular contra a temida unidade da Alemanha e a restauração do Sacro-Império. Todas as tentativas de Reforma religiosa e toda a Reforma luterana têm sua raiz nessa fragmentação da Cristandade, que perdeu a lembrança de suas origens ancestrais e se afirmou numa série de princípios particulares e divergentes. Dessa desaparição da Cristandade, como conceito e como realidade, nasceu a ordem burguesa, internacional e cosmopolita, tudo quanto há de anti-racional, de anti-imperial e de anti-religioso. As lendas imperiais, como a de Frederico Barbaroxa, que renasceram tão fortes na época romântica, vêm dessa nostalgia da unidade perdida.
Esta reminiscência da perdida unidade era uma reminiscência da ordem ecumênica. A ordem ecumênica universal supõe a autonomia das partes e a sua adesão a princípios sucessiva e hierarquicamente superiores. O Sacro-Império foi universal e não internacional. Na sua universalidade couberam todas as peculiaridades, todas as liberdades, sendo um universo integrado de culturas particulares, que se distinguiam umas das outras pelas tradições, pelos dialetos, pelos costumes, pelos trajos, pelas leis consuetudinárias. A elevação de todos esses mundos particulares a uma unidade superior, a um Imperium, uma Kaisertum, que os continha e que os supunha necessariamente a todos, tal era a universalidade por oposição ao internacionalismo. Este último corresponde à destruição de todas as peculiaridades, corresponde à padronização, ao nivelamento, à morte de todas as culturas.
Entre o internacionalismo e a ideia romântica de Nação como Allheit, já vimos que a oposição é absoluta. Mas entre a Nação como Allheit e a universalidade, a conciliação é sempre possível. Os historiadores protestantes, que descreviam as lutas medievais, procurando condenar no Papado a ambição de converter-se numa potência terrena em substituição ao Império, não sonhavam menos do que os católicos com essa antiga Cristandade. Cristandade era sinônimo de Europa ecumênica: Christenheit oder Europa.
[15] Vide Othmar Spann, História das Doutrinas Económicas, Trad, de José Ramon Perez Bances, Madrid, 1934, pág. 155.