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Barbuy: A Nação e o Romantismo

sexta-feira 8 de outubro de 2021, por Cardoso de Castro

13. O Estado compreendido como organismo ou organização não é o Estado compreendido como articulação de repartições públicas e de indivíduos que governam arbitrariamente. O Estado, segundo Hegel  , é um universal, é a própria substância do Volk, não havendo nenhuma divisão entre Estado e Volk, ou entre Estado, governo e Nação.

Mas quando o Estado se nega como realidade universal e se individualiza em grupos de interesse ou em determinada classe, ele perde seus característicos e já não pode justificar seu direito de ação. O Estado romântico, o Estado de Fichte   e Hegel  , é, como já dissemos, uma totalidade orgânica, onde por isso mesmo cada órgão funciona no seu devido lugar, sob severa hierarquia e disciplina inquebrável. Não é um grupo ou uma classe, mas é toda a Nação, a Nação substancializada na sua vontade profunda, que é uma vontade do seu Espírito; não se trata da soma das opiniões, mas de uma vontade que assume a sua consciência nas elites, que por isso mesmo assumem o destino da Nação inteira. As elites autênticas são compreendidas como a fiel representação de todo o povo, como o espelho do Volk. E tal é também, diga-se de passagem, a doutrina de Vilfredo Pareto, com sua lei da circulação das elites, onde estas últimas se constituem do processo de seleção e filtragem do corpo social inteiro. As elites representam os valores ideais e os modelos ideais de vida; são a cristalização dos modelos [14].

Quando o indivíduo e o Estado se opõem é porque o indivíduo não vê no Estado uma vontade substancial e universal e sim uma vontade particular — tão particular como a sua — e que se contrapõe a ela. Mas quando o Estado é realmente a corporificação do Volk, ele é também a condição da liberdade individual, que se integra numa substância superior, mais universal. Nos quadros da filosofia romântica, um Estado que corporifica o Povo não se confunde em nada com o Estado como representante do povo, tal como foi concebido teoricamente pela Revolução Francesa; o Povo não é uma soma de opiniões, mas uma categoria metafísica, um princípio unitário, o símbolo duma alma. Por isso, deve-se ter bem em conta, para compreender esta forma de nacionalismo, que o Estado não está apoiado em ideologias, mas num princípio metafísico.

O conflito entre indivíduos e Estado se soluciona pela tese de que a Vontade nacional está toda inteira em cada indivíduo: E por isso, se a vontade individual se contrapõe à Vontade profunda do Estado, é o indivíduo que está extraviado de si e da sua própria liberdade. Assim Burke compreendia as liberdades inglesas, que segundo ele haviam nascido nas florestas germânicas, como liberdades especificamente inglesas, inseridas no corpo da tradição inglesa; uma liberdade inglesa contra o Estado inglês teria sido para Burke absolutamente impensável. E o historiador alemão — Justus Möser observava que na Inglaterra o mais insignificante dos cidadãos realizava o bem comum como se fosse um negócio privado. Na Inglaterra, as sátiras, as comédias e os apólogos morais estavam na mais estreita relação com os interesses do Estado. Esta tese coincide, afinal, com o ponto de vista de Schelling  , segundo o qual a liberdade individual só se pode exercer fora e acima do Estado, porque no âmbito do verdadeiro Estado, do Estado que é a própria Nação, uma vontade que contrariasse o Estado seria a negação de si mesma.


[14VIDE: LÉXICO DE FILOSOFIA.