Página inicial > Existencialismo > Wahl: EVOLUÇÃO GERAL DAS FILOSOFIAS DA EXISTÊNCIA

Wahl: EVOLUÇÃO GERAL DAS FILOSOFIAS DA EXISTÊNCIA

terça-feira 17 de dezembro de 2024, por Cardoso de Castro

Queríamos agora dizer uma palavra acerca da maneira como foi generalizado e completado o pensamento de Kierkegaard   pelos seus sucessores, particularmente por Jaspers   e Heidegger. Com este pensamento existencial e não sistemático pode dizer-se que se esforçaram por elaborar sistemas, e algumas perguntas aqui se poderiam fazer do gênero desta: não há nisso qualquer coisa que vai contra a essência, se aqui se pode falar de essência, das filosofias da existência? Kierkegaard   dizia de Hegel   que ele era um grande professor. Isto na sua boca era mais uma blasfêmia que um elogio. Não se pode dizer que Jaspers   e Heidegger são grandes professores e traíram um pouco o pensamento de Kierkegaard  , precisamente porque o expuseram sob forma de uma espécie de sistema, quer o tenham ou não querido ? Mas vamos deixar de lado, por agora, esta pergunta. O que nos importa principalmente é ver o que eles acrescentaram ao pensamento de Kierkegaard  .

Dissemos que no pensamento de Kierkegaard   o indivíduo fica absolutamente isolado perante Deus. Há, sem dúvida, passos da sua obra onde Kierkegaard   fala da Igreja invisível, mas o importante para ele é a relação entre o indivíduo e Deus. Trata-se de nos colocarmos numa contemporaneidade com Deus, com o momento da encarnação em que ele veio à Terra. Jaspers   acrescenta dois elementos a esta ideia e demonstra de uma dupla maneira que o indivíduo deixa de ser considerado como absolutamente isolado. Primeiro, há aquilo que Jaspers   chama a Geschichtlichkeit, uma historicidade profunda. Estes filósofos, tanto Heidegger como Jaspers  , distinguem a História, isto é, a história no sentido vulgar da palavra, a sequência dos acontecimentos, e a Geschichtlichkeit, que é a nossa profunda situação na história, o facto de nos inserirmos, nos encarnarmos, num momento da história. Assim, a ligação que tinha sido cortada por Kierkegaard   entre o indivíduo e as gerações foi restabelecida por Jaspers  . Tomamos lugar numa história; e insistimos no facto de que para Jaspers   é um elemento essencial da sua própria filosofia tomar lugar após Kierkegaard   e após Nietzsche  . Não podemos abstrair deste «após Kierkegaard  » e deste «após Nietzsche  », se quisermos estudar a filosofia de Jaspers  .

Além disso, há comunicação entre eu e o outro indivíduo, os outros indivíduos. A ideia de comunicação era um problema para Kierkegaard  . A comunicação com os outros indivíduos deve passar pela linha Indireta da comunicação com Deus, e nós dissemos muitas vezes que ele só concebia comunicações indiretas. De resto, mesmo a comunicação com Deus é muitas vezes ela própria comunicação indireta e, em certo sentido, comunicação frustrada, porque a própria história de Deus na Terra, terminando pela crucificação, é o exemplo de um enorme mal-entendido. Poder-se-ia dizer que a ideia de mal-entendido governa o pensamento de Kierkegaard  , mal-entendido com a sua noiva, mal-entendido de uma maneira mais generalizada entre o homem e Deus, mal-entendido necessário na expressão da crença em Deus perante os outros, uma vez que só se pode passar pela comunicação indireta.

Ora, para Jaspers  , a comunicação é possível, e nisso reside um dos caracteres da existência. A existência é essencialmente historicidade profunda, acabamos de o dizer, e é essencialmente comunicação. O que não significa que esta comunicação, em Jaspers  , se faça facilmente. A comunicação é sempre uma luta de amor ou um amor em luta, como ele diz, kampfende Liebe; cada um dos indivíduos deve conservar-se, cada um deve crescer com o outro. Não é menos verdadeiro que se nos depara uma categoria que se ajusta com as categorias kierkegaardianas. Ele admite uma comunicação direta, que, entretanto, de resto, só pode ser uma comunicação em luta.