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Schuback (1998:52-55) – “eu”

A filosofia moderna descobre com Descartes Descartes H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes. o seu princípio no momento em que, ao se perguntar pelo “começo”, pelo “primeiro” de todas as coisas, pergunta na referencialidade do para mim. A pergunta pelo primeiro e pela origem enuncia-se, então, da seguinte maneira: o que é o primeiro, a origem, para mim? O novo princípio consiste não apenas nesta referência ao eu, ao sujeito, mas à ligadura que até hoje se nos apresenta como indestrutível desta referencialidade. Por este novo princípio, toda pergunta fundamental assume o caráter de uma pergunta referenciada e referenciadora. O princípio do eu, anunciado por Descartes Descartes H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes. , na célebre formulação de ego cogito ergo sum — penso logo eu sou (eu existo) significa, de início, a [52] consequência inevitável desta referenciabilidade instalada em toda pergunta pelo princípio do eu. Pois “para mim”, o primeiro de todas as coisas pode apenas ser eu mesmo. O eu mesmo constitui, assim, uma certeza imediata que se pretende fundamento de todas as demais certezas possíveis. Pelo princípio do eu, toda certeza só pode ser uma certeza para mim. A certeza imediata do “eu”, sendo imediata, ou seja, evidente, não mediada por conceitos (ela é que passa a ser a única mediadora, a fonte mesmo de todo conceito), explicita-se, primeiramente, sob a forma de uma dúvida. Se o “eu” consiste no fundamento de toda certeza possível, ele é a única certeza necessária. E à medida que o “eu” apresenta-se como a única certeza necessária, tudo o mais é duvidoso. A dúvida universal mostra-se, desta forma, como o modo de evidenciação da certeza necessária do eu enquanto certeza de sua existência. Por isso, a dúvida universal exprime-se como dúvida da existência de tudo o que existe “fora” de mim. Por que o modo de evidenciação da certeza da existência do eu é a dúvida universal? Para responder a esta pergunta é preciso voltar um pouco atrás e questionar o caráter da certeza imediata do eu. Se imediato significa, como já se aludiu, uma não mediação do conceito, o imediato indica um tipo de apreensão que se costumou chamar, tradicionalmente, de intuição. Ao definir o conhecimento que o eu possui de si mesmo — ao definir o ego cogito — Descartes Descartes H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes. usa, repetidamente, o termo percipere, perceber, intuir. O modo imediato de apreensão é a percepção, a intuição. A intuição tem aqui o sentido próprio de intuição sensível, de senso-percepção. O que, no entanto, especifica uma intuição sensível? É a possibilidade de ser afetado e mais agudamente de “ser tocado”. O ser tocado exprime, por sua vez, dois níveis de definição da intuição sensível. O nível passivo ou receptivo da intuição onde o tato guarda, manifestamente, o primado, determinando o modo em que se passará a apreender todos os demais órgãos da sensibilidade. E o nível ativo em que se delimitará o sentido daquilo que é capaz de tocar e, assim, afetar, como materialidade corpórea. A medida que a corporeidade da matéria implica, de imediato, o âmbito das extensões [53] (os contornos), toda existência referida ao princípio do eu apresenta-se como existência “extensiva”, como res extensa e, consequentemente, toda referenciação como res cogitans. Por que, no entanto, Descartes Descartes H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes. fala de intuição “sensível” ao definir o modo de conhecimento que o eu possui de si mesmo? O “eu” não é precisamente o princípio do que não pode ser tocado, ou seja, o princípio espiritual por excelência, destituído de toda materialidade corpórea? Como o eu pode ser “intuído”? No sentido ativo de materialidade corpórea, a intuição sensível não é, em si mesma, material. Ela constitui, ao contrário, uma determinação prévia do que é ser — matéria enquanto aquilo que é capaz de afetar no modo do toque, do tato, da mão e, assim, mostrar-se como o imediatamente existente. É esta imediaticidade que pode propiciar certeza relativamente à existência. Materialidade corpórea significa, em última instância, um “sentido” de existência enquanto o que se mostra imediatamente existente, ou seja, na “certeza” de sua existência. Quando Descartes Descartes H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes. enuncia ego cogito ergo sum, ele anuncia, fundamentalmente, um sentido de existência como materialidade corpórea.

Este como é decisivo, pois instaura o caráter essencialmente analógico da certeza imediata da existência do eu. Pois o eu possui a certeza de sua própria existência no modo da certeza propiciada pela materialidade corpórea, ou seja, por analogia a este modo de existência. A instauração e articulação desta analogia é a forma própria do cogito e do seu cogitare. Pelo princípio do eu, pensar é, em seu fundamento, cunhar o sentido de materialidade corpórea como paradigma da certeza imediata em todos os níveis de existência. A medida, portanto, que pensar é instaurar e articular esta analogia essencial de forma que todos os níveis de existência se apresentem segundo esta analogia, pensar é, numa expressão mais apropriada, representação, ou seja, a re-apresentação de tudo o que é segundo a analogia com a materialidade corpórea. Isso não significa, porém, que Descartes Descartes H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes. entendesse que tudo o que é comporta-se, constitui-se, caracteriza-se como o que existe no modo da materialidade corpórea. Não se trata, porém, de [54] empirismo. Se assim o fosse, seria uma consequência inevitável negar a existência de tudo o que não se pode tocar como a alma, como deus. O caráter representativo do cogito, do pensamento, consiste em buscar em todos os níveis da existência não o conteúdo da determinação da materialidade corpórea, mas sim a imediaticidade da certeza que esta determinação é capaz de propiciar. O princípio do eu constitui um princípio de conhecimento pelo qual se pretende evidenciar o sentido de toda existência na analogia com a certeza imediata fornecida pela determinação de materialidade corpórea. Schelling Schelling
Friedrich Schelling
FRIEDRICH WILHELM JOSEPH SCHELLING (1775-1854)
explicita bem este princípio cartesiano, dizendo:

“Seu princípio é: tudo o que se determina e compreende, de maneira igualmente clara e distinta, como o eu sou deve também ser verdadeiro. Tudo o que se coaduna com esta certeza cega, empírica que eu possuo acerca de meu próprio ser ou se coloca, implicitamente, com o eu sou, ou ainda se deixa comprovar como o que pertence, plenamente, a esta representação, deve ser por mim assumido como tão verdadeiro quanto este (mais do que isso, ele não alcança)” [Schelling Schelling
Friedrich Schelling
FRIEDRICH WILHELM JOSEPH SCHELLING (1775-1854)
, Zur Geschichte der neueren Philosophie, p. 47].


Ver online : Marcia Schuback


SCHUBACK, Marcia S. C. O Começo de Deus. A filosofia do devir no pensamento tardio de F.W.J. Schelling. Petrópolis: Editora Vozes, 2021