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Romano (1999:159-161) – sofrimento da separação

sábado 21 de setembro de 2024, por Cardoso de Castro

Talvez ninguém tenha descrito o sofrimento da separação de forma mais profunda do que Proust. Mas, como um grande escritor, ele não percebeu o significado dos acontecimentos: pois, pensando como um empirista, Proust acreditava que a experiência, por sua mera repetição, não apenas cria hábitos em nós, mas também nos ensina algo sobre o futuro: "O tempo passa e, pouco a pouco, tudo o que se diz ser mentira se torna verdade; eu havia experimentado isso demais com Gilberte; a indiferença que eu fingia quando não parava de soluçar finalmente se tornou realidade…": o que se produziu com Gilberte, se reproduzirá com Albertine. Ao se tornar um hábito, o sofrimento traz consigo seu próprio bálsamo, e o tempo é o melhor anestésico, o melhor analgésico. O narrador de La Recherche pode concluir, a partir de sua experiência com Gilberte, que a antecipação (fingida) da separação sempre acaba realmente separando-os: esse é um fato da experiência. Mas será que existe algo como "fatos da experiência"? Será que a experiência, em sua dimensão propriamente humana, ou seja, acontecível, é uma experiência de fatos? Se o acontecimento é sempre único, e o fato é aquilo que se repete, então a experiência de um "fato" não gera nenhum "fato da experiência", nada a que possamos aderir ou nos manter diante da novidade dolorosa do acontecimento. Se o fato é repetível, o acontecimento é único: o luto de Albertine não é precisamente o de Gilberte, um luto que é sempre único, incomparável a qualquer outro, porque são as próprias possibilidades que o narrador tinha em comum com Albertine que tombam e desmoronam com o mundo de seu amor. É isso que emerge dos esclarecimentos, hesitações e retrações voluntárias ou involuntárias que pontuam o restante do texto: a provação da morte de Albertine provará ao narrador o oposto do que sua concepção de hábito o levou a concluir sobre a extinção gradual do sofrimento: "toda a minha vida futura", escreve ele, "foi arrancada do meu coração" [1]. Com a revelação dessa morte, o narrador é dessa vez confrontado com o acontecimento puro, como ele é em si mesmo, que sua teoria do hábito e os truques da dor [2] haviam embotado e ocultado. O que foi assim ocultado foi a originalidade do acontecimento, seu caráter imprevisível e irremediável, o que significa que ele rasga o tecido do hábito em pedaços e deixa a experiência nua, sem recursos, em sua exposição radical. O sofrimento experimentado sempre ultrapassa o que podemos antecipar ou imaginar sobre ele, na medida em que é um sofrimento experimentado, e não imaginado ou antecipado. Há aqui uma superação do "real" sobre o "possível" que absolutamente não pode ser reduzida ou diminuída, mas é revelada nas situações críticas da aventura humana. Diante da dor em sua extrema violência, nossas explicações são sempre muito curtas e os truques da experiência muito ingênuos: "Mas essa explicação ainda era frágil, ainda não tinha tido tempo de criar suas raízes benéficas em minha mente, e minha dor não podia ser apaziguada tão rapidamente". [3] Por quê? Porque o sofrimento vive dentro de nós, por assim dizer, com vida própria, tem uma temporalidade própria sobre a qual não temos controle, seja por meio dos truques do hábito ou de nosso raciocínio. À vista de objetos familiares, uma vez ligados à ideia de Albertine — Proust, [161] um empirista, é também um associacionista [4] — Uma corrente de sofrimento veio me atingir" [5]. O que é mais doloroso na perda de um ente querido são todas as maneiras pelas quais a memória dessa pessoa nos machuca de maneiras que ainda não foram quebradas pelo hábito, maneiras que são sempre novas e imprevisíveis. Proust não suspeita que é exatamente essa novidade que mais machuca, porque ele interpreta o sofrimento da separação como se fosse simplesmente uma questão de quebrar o hábito, como se fosse simplesmente uma questão de afrouxar os laços que o hábito contraiu, com sua implacável tirania. Suas explicações permanecem psicológicas e não conseguem compreender o significado do luto relacionado ao acontecimento.

O que Proust observa, ao contrário, elevando-se provisoriamente acima dessa psicologia empirista e associacionista, é que o sofrimento associado ao luto não se deve a lembranças precisas, a experiências de consciência que estão de alguma forma "presentes" para nós, a Erlebnisse, mas ao próprio mundo do ente querido, o que significa que, quando ele se retira de nossas vidas, são nossas próprias vidas que se retiram, que são esvaziadas de si mesmas e de tudo, de modo que o vazio deixado por ele é tão vasto que é como se fosse o mar inteiro que tivesse se retirado, deixando os remanescentes de sua presença nas margens ainda em movimento: "Naqueles dias, eu era tão incapaz de imaginar Albertine [….] assim como minha mãe, nos momentos de desespero em que foi incapaz de imaginar minha avó […] poderia ter se acusado, e de fato se acusou, de não sentir falta de sua mãe, cuja morte a estava matando, mas cujas feições escapavam de sua memória" [Ibid, p. 49.]] A experiência da perda e do luto não é, de forma alguma, redutível a experiências psicológicas, uma vez que é sentida em sua maior intensidade mesmo quando não há memória: é o teste de um acontecimento que é inexperienciável como tal, que tem suas raízes em nossa própria aventura e a vira de cabeça para baixo. O narrador tem esse acontecimento em mente quando diz, referindo-se ao sofrimento novo e desconhecido causado pela morte de Albertine: "o mundo não é criado de uma vez por todas para cada um de nós" [6], e um pouco mais adiante: "então minha vida foi inteiramente modificada" [7]. As lembranças podem muito bem ser, se você preferir, a causa psicológica do sofrimento ligado à separação, mas de forma alguma sua origem relacionada ao acontecimento, que é propriamente o que permite que essas lembranças nos toquem e nos alcancem, sem o que não poderíamos experimentar a dor pura sem uma imagem da perda. Pois o pânico da separação, o vazio total que ela deixa em nós, não pode ser esgotado por nenhuma lembrança: isso é dito de forma admirável, fugaz, em uma única frase, que por si só resume o significado fenomenológico do acontecimento da perda, com o qual o mundo inteiro cambaleia: "Albertine me parecia um obstáculo entre mim e todas as coisas, porque para mim ela era o recipiente delas e era dela, como de um vaso, que eu podia recebê-las" [8]: com o desaparecimento de Albertine, o próprio mundo que era dela, o mundo que o narrador compartilhava com ela, o recipiente de todas as coisas, desaparece. E não apenas uma parte de suas possibilidades, todos aqueles projetos que "eram só dela"; pois, ao modificar certas possibilidades, como qualquer acontecimento real, a separação reconfigura, na verdade, a cada vez, todo o possível. Com a morte de Albertine, todo o velho mundo — que está engolfado em um passado pretérito, acabado, do qual estou para sempre separado — tomba e entra em colapso. Assim, é precisamente na perda do outro que o próprio modo de sua presença é revelado mais intensamente, uma presença que mergulha suas raízes nas nossas, uma presença arborescente que atravessa nosso mundo, abrindo-o para outro mundo — incomparavelmente [9]. — como o fenômeno do encontro logo atestará.


Ver online : Claude Romano


ROMANO, Claude. L’événement et le monde. Paris: PUF, 1999


[1Proust, Albertine disparue, in A La recherche du temps perdu, Paris, Gallimard, Bibl. de la Pléiade, tome IV, p. 59

[2"Temos o dom de inventar contos para embalar nossa dor" (ibid., p. 47).

[3Ibid., p. 47.

[4Até mesmo na literalidade de certas expressões: encontramos, um pouco mais adiante, na pena do autor de La Recherche, uma expressão literalmente humiana: "la pente aisée de l’imagination" (ibid., p. 48), que designa, no Tratado da Natureza Humana, o próprio processo de associação

[5Ibid., p. 48

[6Ibid., p. 58

[7Ibid., p. 60

[8Ibid, p. 65

[9O que significa "incomparavelmente" aqui? "incomparavelmente"? O outro não é incomparável para mim na medida em que ele é outro (de acordo com uma alteridade absoluta que, em termos levinasianos, aboliria qualquer relação com o Mesmo), mas na medida em que ele é ele mesmo, ou seja, como eu, radicalmente singular. A esse respeito, então, há uma perfeita reciprocidade entre mim e o outro: sou tão incomparável a ele quanto ele é a mim e a qualquer outro, e sua alteridade — embora certamente não seja uma alteridade específica subordinada a um gênero comum, uma diferença categórica, mas, de fato, uma diferença eventual enraizada em sua história, na medida em que o singulariza — é uma alteridade relacional e relativa, que, consequentemente, ainda fala de si mesma como pros heteron, como a alteridade determinada do sofista. Além disso, a ipseidade é a maneira pela qual aquele que advém vem a ser ele mesmo, essa subjetivação com base em acontecimentos que são em si mesmos neutros, e de modo algum a "sujeição" do eu aos outros, como Levinas a vê