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Mitchell (Four-Fold) – Noção de "Terra" no Geviert
sexta-feira 23 de maio de 2025, por
Mitchell4
Dentro do quádruplo (Geviert), a terra nomeia o que tradicionalmente poderíamos pensar como a "base material" da coisa. Essa afirmação só pode ser mantida se entendermos "material" e "base" de maneiras bastante distintas de seu uso tradicional na história da filosofia. Ou seja, estritamente falando, a terra não é nem "material" nem uma "base". O papel da terra dentro do quádruplo transforma todas as nossas expectativas habituais sobre o que conta como terreno ou mesmo terrestre, pois a "matéria" da terra nada mais é do que a fenomenalidade como tal. Assim, "terra" realmente nomeia a constituição das coisas, mas o que constitui a coisa é a aparência sensível. A "matéria" da experiência é a fenomenalidade. Essa fenomenalidade sensível das coisas, seu modo de estar no mundo, é seu brilho, fulgor e radiância. A terra não nomeia nada pesado, a menos que seja a relutância desse simples brilho em aparecer como algo estável e fixo. Se dizemos que a terra é material, devemos pensar esse "material" como radiância fenomenal.
E da mesma forma para qualquer noção de uma "base" na terra. O sentido heideggeriano de terra vai contra o pensamento de uma base presente, seja para a vida que se sustentaria sobre ela, seja para as formas que a adotariam como sua matéria. Esse caráter fenomenal da terra não é uma base porque não realiza o trabalho de fundamentação. A terra recusa esse papel de fundamento. Se a aparência deve brilhar e irradiar pelo mundo, então não pode estar amarrada e acorrentada a um fundamento. A terra como aparência deve, portanto, ser sem fundamento, ou melhor, nem fundamento nem sem fundamento, mas algo "entre" esses dois e fora de sua polaridade oposicional. Por essa razão, Heidegger fala da terra como um "abismo" em vez de um fundamento. Tudo o que a terra suporta é fenomenal, e o fenomenal é tudo o que ela pode suportar sem se tornar fundamento. O substantivo exige fundamentos, o fenomenal não. A partir dessa concepção de terra como aparecimento fenomenal (não um fundamentum inconcussum), Heidegger esboça uma nova visão da natureza, abrangendo rochas e águas, flora e fauna.
Heidegger introduziu famosamente uma nova concepção da terra em seu ensaio "A Origem da Obra de Arte" (1936). (A primeira elaboração data já de 1931.) Isso não significa que o quádruplo já esteja presente no ensaio sobre a obra de arte — não está —, mas o papel que a terra desempenha ali a prepara para sua eventual inclusão no quádruplo em 1949. Antes de nos voltarmos para o quádruplo, portanto, algumas breves observações sobre a situação da terra nesse ensaio anterior são necessárias.
Desde sua primeira elaboração até a versão publicada, a terra é entendida em uma relação tensa com o mundo. O avanço de Heidegger nesse ensaio — Gadamer o chamou de "surpreendente" — é pensar o retraimento como integrante do mundo e nomear esse retraimento como "terra". Enquanto um dos pilares de Ser e Tempo é a interpretação da verdade como desvelamento (aletheia, Unverborgenheit), a mudança no pensamento de Heidegger por volta do tempo do ensaio sobre a obra de arte (meados dos anos 1930) pode ser dita como decorrente da percepção de que esse "des" do desvelamento talvez seja demasiado rigidamente demarcado. Em vez de uma simples oposição entre velamento e desvelamento, o pensamento de Heidegger agora se volta para a ideia de "retraimento" (Entzug). A lógica desse retraimento é articulada nos cadernos da época, Contribuições à Filosofia (Do Acontecimento), mas esse retraimento também aparece no ensaio sobre a obra de arte sob o rótulo da terra.
Aqui, a terra é a acompanhante necessária da aparência mundana. Heidegger toma como exemplo um templo grego para mostrar como a terra localiza e organiza o espaço e os entes ao seu redor. A tempestade que o cerca, a luz do dia, a vastidão do céu, a escuridão da noite, a maré crescente, o mar revolto, as árvores e a grama, os animais e insetos — tudo isso emerge no âmbito do templo. Esse templo é uma obra e, como tal, abre um mundo. Mas essa abertura não é mais pensada contra um pano de fundo de fechamento ou ocultação. Em vez disso, o que se revela na abertura do mundo é o próprio fechamento, um fechamento paradoxal que Heidegger chama de "terra". Paradoxal porque essa terra se revela como o brilho sensível das coisas, um brilho que se retrai de todos os esforços para contê-lo, como veremos.
A obra de arte abre um mundo, organiza um conjunto de relações significativas ao seu redor, mas o faz através da apresentação de algo que não pode ser apreendido: a terra como aparecimento sensível. Essa correlação entre retraimento e aparência ultrapassa a simples oposição velamento/desvelamento para pensar a desestabilização de ambos, sua interdependência e seu antagonismo. Heidegger a chama de "conflito" (Streit): "A oposição entre mundo e terra é um conflito… No conflito essencial, porém, os contendores (Streitenden) elevam um ao outro à auto-expressão de sua essência… No conflito, cada um leva o outro (trägt jedes das andere) para além de si mesmo" (GA 5 : 35/26–27). A terra representa o aparecimento de um tipo de retraimento no coração do mundo, e é precisamente isso que a obra de arte encena. Heidegger prossegue mostrando como a obra de arte serve para inaugurar ou instituir o destino de um povo histórico.
Embora as discussões a seguir recorram a essa concepção de terra em "A Origem da Obra de Arte", vale a pena mencionar desde já algumas das principais diferenças entre essa abordagem e a da terra dentro do quádruplo. A diferença mais óbvia está na relação da terra com o mundo. No ensaio sobre a obra de arte, a terra está em pé de igualdade com o mundo, é sua parceira no "conflito" que abre um espaço para a habitação de um povo histórico. Na época do quádruplo, a terra perde essa posição privilegiada. Ela não é mais a única antagonista do mundo, mas uma participante, junto com o céu, os divinos e os mortais, no mundificar do mundo. Mais precisamente, ela compartilha no coisificar da coisa, que por sua vez abre um mundo. Em suma, o dualismo terra/mundo do ensaio sobre a obra de arte é abandonado em favor de uma concepção mais fragmentada ou diferenciada do mundificar. Um segundo ponto a notar é que a relação entre terra e mundo não é mais de "conflito". Como veremos ao considerar a relação entre coisa e mundo no capítulo seis, a terra dança nas coisas, e estas, por sua vez, gestam o mundo. Por fim, embora essa lista possa continuar, o escopo da terra é um pouco mais restrito na época do quádruplo. No ensaio sobre a obra de arte, a terra incluía praticamente toda a existência; de fato, a segunda versão do ensaio (Freiburg, 1935) identifica a terra com a physis como tal (UK 2: 26). Na época do quádruplo, a concepção da terra é mais refinada. O mais importante é que ela é diferenciada do céu, que agora figura como um membro separado do quádruplo, por razões que abordaremos no próximo capítulo.
Apesar dessas diferenças em larga escala, é no ensaio sobre a obra de arte que o papel da terra é primeiro abordado por Heidegger. Na verdade, talvez não seja exagero dizer que a reconsideração da terra que ocorre ali acaba por exigir uma reconsideração da existência finita como tal. Uma nota marginal em "A Origem da Obra de Arte" aponta nessa direção. Sobre a afirmação "A obra de arte deixa a terra ser uma terra", Heidegger comenta (na primeira ocorrência da palavra "terra"): "significado? cf. ’A Coisa’: o quádruplo" (GA 5 : 32 n. c/24 n. c). Permanecer fiel a essa terra, então, exigiria um pensamento do quádruplo, ao qual agora nos voltaremos.
As apresentações do quádruplo em "A Coisa" (1949) e "Construir, Habitar, Pensar" (1951) são, no caso da terra, bastante semelhantes. Em "A Coisa", a passagem diz:
a terra é a portadora edificante, o que nutre e frutifica, cuidando das águas e da pedra, das plantas e dos animais. (GA 79 : 17/16)
e em "Construir, Habitar, Pensar" diz:
a terra é a portadora servente, o que floresce e frutifica, estendendo-se em pedra e águas, erguendo-se em plantas e animais. (GA 7 : 151/PLT 149)
Embora se possa ser tentado a ver uma mudança para maior atividade no segundo caso — a terra é apresentada como "florescente" em vez de "nutritiva", "erguendo-se" em vez de "cuidando" — ou talvez uma mudança para maior passividade — o segundo texto rebaixa a terra de seu papel "edificante" para um de "serviço" —, as duas apresentações são complementos da mesma terra. A terra é uma portadora (Tragende), a terra é frutificante (Fruchtende), a terra é o inorgânico (pedras e águas) e também o que chamamos de flora e fauna (a expressão de Heidegger, Gewächs und Getier, evita o latim). Examinaremos cada um desses aspectos por sua vez.
A suposta "base material" das coisas é um suporte sem fundamento de uma fenomenalidade frutificante. O que pensaríamos como o aspecto mais fundamental das coisas é o próprio aparecer dessas coisas em toda a sua sensorialidade. Essa estrutura sem fundamento ou abissal da terra informa o entendimento de Heidegger sobre os fenômenos naturais na época do quádruplo.