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Nas Proximidades da Antropologia [PA]

Ernildo Stein (2003:30-32) – círculo hermenêutico e diferença ontológica

Dois teoremas da finitude como base para uma antropologia filosófica

O círculo hermenêutico e a diferença ontológica são os teoremas que sustentam a teoria heideggeriana da realidade e do conhecimento, isto é a teoria da fundamentação do conhecimento. Mas as implicações da proposta de Heidegger devem ser confrontadas com outras soluções apresentadas na tradição.

A abordagem da primeira questão nos leva aos dois níveis que desde a metafísica de Aristóteles Aristoteles
Aristote
Aristóteles
Aristotle
Para Heidegger, Aristóteles é com efeito toda a filosofia, por esta razão passou sua vida a situar, demarcar, mensurar, em resumo questionar em sua dimensão mesma de lugar, este lugar comum a toda humanidade.
estão consagrados na ontologia — o nível do ente enquanto ente e o nível do ser do ente. A tradição metafísica aborda esses níveis de maneira objetivística. Ela trata os dois níveis como objetos a serem conhecidos. Os diversos autores, até a Idade Média, dão formas várias ao conhecimento deste objeto, mas sempre se examina o modo como são conhecidos, mas não se pergunta porque eles não são questionados enquanto são condições de possibilidade, razão pela qual Aristóteles Aristoteles
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Aristóteles
Aristotle
Para Heidegger, Aristóteles é com efeito toda a filosofia, por esta razão passou sua vida a situar, demarcar, mensurar, em resumo questionar em sua dimensão mesma de lugar, este lugar comum a toda humanidade.
permanece nos dois níveis.

Quando Heidegger introduz um ente privilegiado, o Dasein, aparece um novo nível de problematização do ser. O ser não se dá isolado como objeto a ser conhecido ele faz parte da condição essencial do ser humano. O Dasein compreende o ser e por isso tem acesso aos entes. Sem essa compreensão nada se move no conhecimento, tudo permanece opaco. Mas assim, como pelo ser compreende os entes compreende-se também como ente; e não apenas isso. Compreende o ser porque compreende a si mesmo e se compreende porque compreende o ser.

Com esse terceiro nível o filósofo inaugura duas questões centrais na Filosofia — o círculo hermenêutico e a diferença ontológica. A compreensão do ser nos leva a um caminho de duas mãos: o ser é, pela compreensão, a possibilidade de acesso ao ente: sem compreensão não há ente. Nosso acesso aos entes só nos é possível porque o Dasein compreende o ser e não porque temos um outro fundamento para o conhecimento dos entes.

[31] Assim o Dasein, pela compreensão, inaugura uma circularidade. Mas ela não é simples circularidade (no conhecimento, na lógica), mas uma circularidade que se dá pela compreensão. E, portanto, uma circularidade hermenêutica. O ser não funda o ente, nem qualquer ente funda o ser. A recíproca relação entre ser e ente somente se dá porque há o Dasein — isto é, porque há compreensão.

Aparentemente isso constitui uma simples afirmação; mas, na verdade, estamos aqui diante da introdução de um novo paradigma. Desde Aristóteles Aristoteles
Aristote
Aristóteles
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Para Heidegger, Aristóteles é com efeito toda a filosofia, por esta razão passou sua vida a situar, demarcar, mensurar, em resumo questionar em sua dimensão mesma de lugar, este lugar comum a toda humanidade.
e a Idade Média, de um lado, e Kant Kant Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou. de outro, não houve revolução igual. Sobretudo as consequências da diferença ontológica são tão radicais que passam a nos oferecer a possibilidade de repensar os modelos de fundação de toda a tradição.

O círculo hermenêutico e a diferença ontológica são os teoremas que sustentam a teoria heideggeriana da realidade e do conhecimento, isto é a teoria da fundamentação do conhecimento. Mas as implicações da proposta de Heidegger devem ser confrontadas com outras soluções apresentadas na tradição.

A ideia de ser de Heidegger, na medida em que é vinculada com a compreensão do ser, caminho para pensar o ente, se revela como uma dimensão operatoria: compreendendo-me no mundo e na relação com os entes compreendo o ser. Naturalmente esta compreensão do ser não é temática e deve ser explicitada. É precisamente essa explicitação a meta buscada pela analítica existencial ou ontologia fundamental, cujos teoremas se expressam no círculo hermenêutico e na diferença ontológica.

[32] O ser heideggeriano torna-se o elemento através do qual se dá o acesso aos entes, ele é sua condição de possibilidade. Isto é a diferença ontológica. Como esta condição só opera através da compreensão pelo Dasein, pelo ser humano que se compreende, a fundamentação (condição de possibilidade) sempre se dá pelo círculo hermenêutico.

A relação com o ser e com o modo de ser do Dasein não é uma relação com um objeto ou através de um sujeito, mas é uma relação que possibilita algo, o acesso aos entes.

Na tradição objetivista o ser é ainda pensado como objeto, ou como ente, ainda que o supremo, como na Idade Média. Esse objetivismo, porém, padece de uma estranha circularidade. Constrói-se uma teoria do ser, uma ontologia — e para esta operação necessita-se de uma “quaedam illuminatio divina” — quando, no entanto, esse ser supremo (teologia) do qual se recebe essa illuminatio, é precisamente resultado da ontologia. É um círculo na argumentação que naturalmente não pode ser aprofundado aqui, mas é também um círculo na fundamentação

Heidegger dirá que assim Deus entrou pelos fundos na metafísica, ex post: esta operação de contrabando da Teologia na Metafísica deu-se por causa da entificação do ser por efeito da ausência da diferença ontológica.


Ver online : Ernildo Stein


STEIN, E. Nas proximidades da antropologia. Ensaios e conferências filosóficas. Ijuí: UNIJUÍ, 2003.