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Depraz (1992:20-22) – o princípio dos princípios da fenomenologia
Todas as proposições que atendem a essa exigência de não pressuposição devem permitir "uma justificação fenomenológica adequada, portanto, um preenchimento pela evidência no sentido mais rigoroso do termo" [1]. Além disso, trata-se de nunca "apelar posteriormente a essas proposições senão com o sentido no qual foram estabelecidas intuitivamente" [2]. Já em 1901, portanto, a noção de evidência "no sentido mais rigoroso", ou seja, como apodíctica, se confunde com a ideia de uma intuição plena. Em 1913, nas Ideias Diretrizes [3], no parágrafo 24 intitulado precisamente "o princípio dos princípios", a fenomenologia se afirma como um [20] intuicionismo de um novo gênero: de fato, fazer da "intuição doadora originária (…) uma fonte de direito para o conhecimento" [4] não significa, de forma alguma, aderir espontaneamente a algum empirismo ou, a fortiori, a algum sensualismo, posições para as quais a única realidade é a realidade sensível das impressões singulares. Em outras palavras, a intuição originária não é a intuição sensível que Kant Kant Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou. , já, qualificava como puramente passiva e receptiva na Crítica da Razão Pura ("Estética Transcendental"). A intuição husserliana está longe de ser uma intuição receptiva empírica. Ela é fundamentalmente "doadora originária". O que isso significa? Significa que a intuição husserliana me dá a própria coisa, a alcança e a apreende ela mesma, seja essa coisa um objeto da percepção ou uma essência. A intuição está, assim, em ação no caso em que a visada intencional de um objeto atinge efetivamente esse objeto. Ela também está presente como intuição das essências, de acordo com a doutrina estabelecida já na Sexta Investigação Lógica em 1901 [5].
Nesse sentido, a intuição das essências ou intuição eidética (Wesenschau) se distingue radicalmente de todo processo empirista de indução pelo qual eu acesso, a partir dos fatos, por generalização progressiva, ao geral. A essência não é apenas o geral induzido, nem a fortiori o objeto individual. Embora não esteja ligada ao sensível, nem em coincidência imediata com ele, nem mediatamente pela indução, a essência me é, no entanto, dada de maneira originariamente intuitiva, e é essa doação que justifica a validade de minha experiência.
Como, então, essa doação originariamente intuitiva da essência pode ocorrer? Ela se opera pelo que Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
chama de "variação eidética": essa atividade de variação é o que me permite destacar progressivamente a essência, por retiradas sucessivas, de seus traços ou caracteres ligados essencialmente ao objeto dado na experiência, para dizer tudo, não necessários. Assim, para fazer aparecer a essência do vermelho, exemplo que Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
toma de maneira recorrente, é necessário que eu faça variar em imaginação todos os objetos vermelhos que posso perceber ou possuir [21] como lembrança, de modo a destacar, no final, o que, em cada objeto, aparece como idêntico além da diversidade dos conteúdos objetivos. A essência do vermelho é o vermelho que permanece o mesmo apesar da variedade e da singularidade das impressões visuais vermelhas. Essa identificação é o modo de acesso lógico à essência, que obtenho por ideação, ou seja, por separação dos traços ideais necessários em relação aos traços factuais acidentais. A intuição originária, como eidética, é o princípio que me dá de maneira imediata a própria essência em sua plenitude; a variação eidética é, por sua vez, o procedimento mediato e que envolve a imaginação, pelo qual acesso a essa mesma essência.
A ênfase colocada por Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
na intuição eidética como "princípio dos princípios" faz da fenomenologia, em um único movimento, um intuicionismo e um essencialismo, ou, segundo a feliz fórmula de E. Lévinas
Levinas
Lévinas
Emmanuel Levinas
Emmanuel Levinas (1906-1995), philosophe d’origine lituanienne, naturalisé français en 1930.
, um "idealismo do sensível". Pretender apreender as essências em uma intuição pode parecer contraditório. Como, de fato, alcançar a essência pela intuição, se a intuição geralmente pertence ao imediato e a essência a um nível de abstração inacessível imediatamente?
Certamente, em Descartes
Descartes
H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes.
ou mesmo em Platão
Platon
Plato
Platão
Platón
O pensamento de Heidegger é um diálogo a todo instante com aquele de Platão. Presente em todos os escritos de Heidegger desde Ser e Tempo, Platão é o pivô a partir do qual o pensamento de Heidegger se engaja prospectivamente a entrar em correspondência com outros Matinais. (LDMH)
(Livro VII da República), a intuição também é um meio de alcançar a essência, mas esse acesso vai de mãos dadas com uma perda do sensível. Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
se esforça, ao contrário, para nunca perder de vista essa base sensível da própria intuição eidética.
É, portanto, a aposta da fenomenologia tentar, assim, superar a oposição secular entre o idealismo — que faz das ideias a única realidade — e o materialismo — que postula, ao contrário, a matéria sensível como única existente. Buscar acessar a essência pela intuição, e não pela especulação, é fazer da essência uma unidade concreta, algo que o idealismo tradicional parece perder de vista ao transformá-la em abstração.
O alcance da essência de uma coisa pela eliminação de seus conteúdos factuais e acidentais corresponde metodologicamente à primeira formulação da "redução", que significa aqui a conversão do fato à essência. Essa formulação eidética da redução é sua primeira apresentação: ela é o trampolim a partir do qual a fenomenologia descobre sua dimensão "transcendental".
[1] Recherches logiques, 2, 1re partie, introduction, § 7, « Le principe de l’absence de présupposition… », trad. fr. H. Elie, A. L. Kelkel, R. Schérer, p. 20, Paris, PUF, 1969, p. 24.
[2] Op. cit., p. 24.
[3] Ideias Diretrizes para uma Fenomenologia e uma Filosofia Fenomenológica Puras, Livro I, Paris, Éd. Gallimard, 1950, trad. fr. P. Ricœur (abreviado como Ideen I no texto e notas seguintes).
[4] Op. cit., § 24, p. 78.
[5] Ver sobre isso E. Lévinas, Teoria da Intuição na Fenomenologia de Husserl, Paris, Éd. Vrin, 1984, cap. VI em particular.