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Byung-Chul Han (2023) – a reflexão inativa
sábado 8 de março de 2025, por
Alguns anos antes do Vita activa ou sobre a vida ativa de Arendt , Heidegger proferiu uma palestra com o título Ciência e reflexão (Besinnung). Em oposição à ação que impulsiona adiante, a reflexão nos traz de volta para onde sempre já estamos. Ela nos abre um ser-aí (Da-Sein) que precede todo fazer, todo agir, e que se demora. Uma dimensão da inatividade é inerente à reflexão. Esta se entrega àquilo que é:
Entrar por um caminho que uma coisa tomou por si mesma significa, em nossa língua, sinnan, refletir (sinnen). […] Ela [a reflexão] é a serenidade em relação ao digno de questionamento. Por meio da reflexão assim compreendida, chegamos verdadeiramente ali onde, sem já o saber e enxergar, estamos há muito tempo. Na reflexão, vamos a um lugar unicamente a partir do qual se abre o espaço que mede nosso fazer e deixar de fazer (GA7 :64).
A reflexão é uma capacidade que não age. Ela implica o deter-se como interrupção, como inatividade. Nos Cadernos negros, Heidegger escreve: “O que aconteceria se o pressentimento do poder silencioso da reflexão inativa desvanecesse?” (GA94 :447) O pressentimento não é um saber deficiente. Antes, ele nos abre o ser, o aí, que se furta ao saber proposicional. Só por meio do pressentimento temos acesso àquele lugar no qual o ser humano já sempre se encontra: “O pressentimento […] não se dirige apenas ao futuro e ao que se aproxima, tal como o pressentimento pensado usualmente de modo calculista; ele mede e avalia toda a temporalidade: O espaço-jogo-temporal do Aí” (GA65 :22). O pressentimento não é um “degrau preliminar na escada do saber”. Antes, ele torna acessível aquele “pórtico” (GA8 :173) no qual tudo que se pode saber tem sua sede, ou seja, tem lugar. O pensamento de Heidegger gira incansavelmente em torno daquele Aí primordial que não se deixa capturar por nenhum saber proposicional.
Para a “reflexão inativa” é válida a magia do Aí que se furta ao agir. Seus passos “não levam adiante, mas de volta para lá onde já estamos” (GA12 :208). Ela nos deixa “no [já] chegado”, “em cujo âmbito nós já estamos” (GA12 :199). Em sua imanência radical, esse Aí nos é próximo demais, de modo que, frequentemente, o ignoramos. Ele é o “pertíssimo” que está mais perto do que o objeto mais próximo. Quem é apenas ativo inevitavelmente o pula. Ele se abre apenas ao demorar-se inativo, contemplativo. Heidegger introduz todo um vocabulário da inatividade a fim de trazer à fala esse Aí pré-proposicional. Também a figura da espera é usada por ele: “A espera é uma capacidade que supera toda força ativa. Quem se encontra no poder esperar ultrapassa todo desempenho e seus resultados” (GA77 :227). Só na espera sem intenção, no demorar-se na espera, o ser humano se torna consciente daquele espaço no qual ele já se encontra desde sempre: “Na espera, o ser humano é reunido na atenção àquilo a que ele pertence” (GA77 :226). A “reflexão inativa” percebe o brilho do inaparente, do irrealizável, do indisponível, que se furta a todo uso, a todo fim: “A pobreza da reflexão é, porém, a promessa de uma riqueza cujo tesouro reluz no brilho daquele inútil que nunca se deixa calcular” (GA7 :66). (ByungVC)