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A natureza do mal, segundo a literatura (Arendt)
ARENDT
Arendt
Hannah Arendt
Johanna "Hannah" Cohn Arendt (1906-1975)
Condição Humana e Vida do Espírito, índice de excertos
, Questões de Filosofia Moral
Estaríamos numa situação um pouco melhor se nos permitíssemos voltar os olhos para a literatura, para Shakespeare, Melville ou Dostoiévski
Dostoiévski
, nos quais encontramos os grandes vilões. Eles também podem ser incapazes de nos dizer alguma coisa específica sobre a natureza do mal, mas pelo menos não se furtam ao problema. Sabemos, e podemos quase ver, como o mal assombrava a mente deles constantemente, e como estavam bastante cientes das possibilidades da maldade humana. Ainda assim me pergunto se isso nos ajudaria muito. Nas profundezas dos maiores vilões – lago (e não Macbeth ou Ricardo III, Claggart em Billy Budd de Melville, e por toda parte em Dostoiévski
Dostoiévski
– há sempre desespero e a inveja que acompanha o desespero. Que todo o mal radical vem das profundezas do desespero, é o que nos disse explicitamente Kierkegaard
Kierkegaard
SØREN AABYE KIERKEGAARD (1813-1855)
– e poderíamos ter aprendido o mesmo com o Satã de Milton e muitos outros. Soa tão convincente e plausível porque também nos disseram e ensinaram que o demônio não é só diabolos, o caluniador que presta falso testemunho, ou Satã, o adversário que tenta o homem, mas que ele também é Lúcifer, o portador da luz, um Anjo Caído. Em outras palavras, não precisamos de Hegel
Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831)
e do poder da negação para combinar o melhor e o pior. Sempre houve algum tipo de nobreza no malfeitor real, embora isso não exista no pequeno patife que mente e trapaceia no jogo. O importante sobre Claggart e Iago é que eles agem por inveja daqueles que sabem que são melhores que eles próprios; o que é invejado é a simples nobreza que Deus deu ao Mouro, ou a pureza e a inocência ainda mais simples de um humilde companheiro de bordo de quem Claggart é claramente superior na escala social e profissional. Não duvido do insight psicológico de Kierkegaard
Kierkegaard
SØREN AABYE KIERKEGAARD (1813-1855)
ou da literatura, ambos sob a mesma perspectiva. Mas não é óbvio que ainda exista, mesmo nessa inveja nascida do desespero, alguma nobreza que sabemos estar totalmente ausente nas coisas como elas verdadeiramente são? Segundo Nietzsche
Nietzsche
Friedrich Nietzsche
FRIEDRICH WILHELM NIETZSCHE (1844-1900)
, o homem que se despreza respeita pelo menos aquele dentro de si que despreza! Mas o mal real é o que nos causa o horror inexprimível, quando só o que podemos dizer é: isso nunca deveria ter acontecido.
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