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A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental (uma análise)

domingo 13 de abril de 2025, por Cardoso de Castro

PARROCHIA, Daniel. La forme des crises: Logique et épistémologie. Seyssel: Champ vallon, 2008.

[…] gostaríamos de demonstrar que Husserl   (independentemente da pertinência de seu diagnóstico ou dos erros que possa ter cometido) está plenamente dentro de seu tema, que não poderia estar mais próximo da história do que está, e que A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental é de fato a leitura adequada das questões fundamentais ligadas à ascensão do naturalismo e do objetivismo nazistas, assim como ao abandono (provisório) das forças do espírito.

Para isso, é necessário primeiro retomar o essencial da demonstração husserliana, nos textos um tanto dispersos que formam essa magistral análise. O manuscrito de Husserl   compreende três partes:

  1. A primeira é dedicada à "crise das ciências como expressão da crise radical da vida na humanidade europeia" (§1-7);
  2. A segunda visa a "elucidação da origem da oposição moderna entre o objetivismo fisicalista e o subjetivismo transcendental" (§8-27);
  3. A terceira tenta um "esclarecimento do problema transcendental", precisando "a função que, nesse contexto, cabe à psicologia", sendo essa terceira parte subdividida em:
    a) Husserl   segue primeiro "o caminho que leva à fenomenologia transcendental", mostrando que parte de uma questão retrospectiva sobre o mundo da vida (§28-55).
    b) Em seguida, estuda "o caminho que leva à filosofia transcendental fenomenológica partindo da psicologia" (§56-72). Como se sabe, o §73 foi acrescentado posteriormente, a título de conclusão.

Não se trata aqui de fazer um comentário passo a passo do texto de Husserl  , mas podemos facilmente resumir seu essencial. Nas duas primeiras partes, as análises, um tanto prolixas, do filósofo podem ser facilmente condensadas em poucas linhas. Seu ponto de partida é que há de fato uma crise das ciências europeias, mesmo que essas ciências nunca tenham sido tão prósperas e apresentem diariamente novas provas de sua pertinência e poder. Por quê? Porque esse tipo de ciência, que forma uma ciência de fatos, se desvia das questões essenciais da humanidade. "Na angústia de nossa vida […] essa ciência não tem nada a nos dizer. As questões que ela exclui por princípio são precisamente as mais urgentes em nossa época infeliz para uma humanidade abandonada às convulsões do destino: são as questões que dizem respeito ao sentido ou à falta de sentido dessa existência humana". A tese fundamental de Husserl   é que nem sempre foi assim e que a objetividade e a factualidade do saber moderno, quase positivista, são apenas um conceito residual em relação ao projeto antigo de uma ciência abrangente, resultando assim em uma espécie de filosofia decapitada. A fé no ideal de uma filosofia universal que ainda guiava Descartes   foi, com a divergência dos sistemas, pouco a pouco se esvaindo, e logo ficou claro que o método "só podia desdobrar seus efeitos como realizações indubitáveis nas ciências positivas". Com o ceticismo em relação à possibilidade da metafísica, a fé na possibilidade de uma filosofia universal foi gradualmente desmoronando, abrindo assim uma crise da fé na razão. Pois é a razão "que dá sentido último a tudo o que pretende ser, a todas ’coisas’, ’valores’, ’fins’, na medida em que os relaciona normativamente ao que, desde os primórdios da filosofia, é designado pelo termo ’verdade’ – verdade em si – e correlativamente pelo termo ’Ser’, ontos on". Com isso, o homem perde a fé em si mesmo, ou seja, no "verdadeiro ser que lhe é próprio" e que não está sempre já dado em sua simples afirmação de ser, mas que deve sempre e ainda ser conquistado, no sentido de que só pode tê-lo "sob a forma de uma luta por sua verdade, uma luta para se tornar verdadeiro". Husserl   empreende, portanto, uma crítica que, longe de qualquer abdicação preguiçosa em relação ao racionalismo, pretende, ao contrário, devolver ao homem a fé na razão e em si mesmo.

Procedendo então historicamente (2ª parte), o filósofo se esforça sobretudo para compreender a mutação que afetou a ideia e a tarefa da filosofia nos tempos modernos, a partir de Galileu   e Descartes  . O que, segundo ele, se revelou nessa época, e que difere essencialmente do pensamento antigo, essencialmente fechado em si mesmo, é a ideia do saber como tarefa infinita. "A concepção de tal Ideia de uma totalidade de ser racional infinita, sistematicamente dominada por uma ciência racional, eis a novidade inaudita". A ideia de uma geometria pura, aplicável à física, e que alcançaria a natureza em um processo histórico infinito de aproximação, eis o pressuposto fundamental da ciência galilaica, que, de Leibniz   a Riemann e Cantor, ou seja, da Analysis Situs à teoria das multiplicidades, esvaziará pouco a pouco a natureza de seu sentido, esquecendo no caminho o mundo-da-vida que é, no entanto, seu fundamento e onde se situam todas as questões práticas e teóricas que concernem o homem. Viveu-se, portanto, inicialmente, na felicidade desse possível cumprimento de uma ciência universal, ainda que como tarefa infinita: os temas metafísicos se ligavam a ela tanto mais quanto o homem aparecia verdadeiramente, nesse contexto, como uma espécie de imagem de Deus, uma imagem a distância finita, como se diz em geometria projetiva, Deus aparecendo apenas como "o homem infinitamente distante". Ao longo de seu desenvolvimento, porém, o naturalismo fisicalista e objetivista se chocou com um duplo problema: o caráter inapreensível da subjetividade e da questão do sentido do mundo como formação subjetiva. Portanto, só retornando a essa subjetividade que torna possível, em última instância, toda validade do mundo é que se pode, em definitivo, tornar compreensíveis as construções objetivas e alcançar "o sentido último de ser do mundo". Além disso, o fundador do racionalismo, Descartes  , é também aquele que semeia, com o cogito, as sementes que o farão eclodir, mesmo que o interesse que ele tem pelo objetivismo o leve a cometer uma espécie de falsificação psicologizante da subjetividade cuja importância ele descobriu. Ele é, assim, o fundador de uma dupla linhagem: a do racionalismo, que, além de Leibniz   e Wolff, continuará até Kant  , seu ponto de reversão; a do empirismo, que, via Berkeley, Locke e sobretudo Hume  , levará a uma espécie de abalo do objetivismo. Kant   é um ponto singular na história da filosofia, pela seguinte razão. Até ele, a filosofia racional se expressou sob a forma de uma reflexão prática, a lógica da mathesis universalis desembocando em uma doutrina das normas e uma tecnologia. Kant  , pela primeira vez na história, leva a filosofia a se expressar sob a forma de uma reflexão transcendental. Revelando a ingenuidade de uma filosofia supostamente racional da natureza em si, Kant   se interroga sobre as operações ocultas do espírito – intuição pura e razão pura – que são constitutivas da objetividade como tal. Eliminando as vãs pretensões da metafísica, ele recentra a ciência cartesiana no sujeito e a transforma em ciência transcendental. "Kant   faz aparecer pela primeira vez desde Descartes   uma filosofia científica que tem grandeza, cuja construção é sistemática, e que deve ser designada como um subjetivismo transcendental". Muito ocupado em salvar a razão objetiva em ação nas ciências da natureza, ele admite, no entanto, como evidente a certeza do mundo sensível no qual vivemos cotidianamente. Mas essa certeza do dia a dia, como a das construções teóricas da cultura (que nada mais são do que esse mundo cotidiano como fundamento), é precisamente o que esse eminente filósofo não questiona. Em outras palavras, Kant  , que se interroga sobre a constituição da objetividade científica como tal, nunca se pergunta como a evidência ingênua pode ela mesma se constituir. Essa questão que aflorava em Hume   – a do enigma do mundo, do enigma de um mundo cujo ser procede de uma prestação subjetiva – é precisamente o que Kant   não pensou, e o que cabe, portanto, a um subjetivismo mais radical – o mais radical, verdade seja dita, de todos os subjetivismos – tentar explicar. As pressuposições de Kant  , o mundo circundante da vida deixado por ele como um domínio de fenômenos subjetivos anônimos, merecem, portanto, ser interrogadas com método: eis a constatação husserliana.

O problema central da fenomenologia husserliana é, portanto, saber como desenvolver uma ciência desse mundo-circundante-da-vida, o que supõe já previamente, para viabilizar seu acesso, uma suspensão ou colocação entre parênteses (epoché) de todos os saberes existentes que são construídos sobre ele e o pressupõem como horizonte. O postulado da fenomenologia husserliana é, assim, que seria possível alcançar uma estrutura universal do mundo da vida, a qual é um a priori pré-científico, um a priori subjetivo-relativo, que, como tal, não é ingênuo, mas se revela como a forma da verdadeira ciência. Ao contrário, "a lógica supostamente inteiramente independente que os lógicos modernos – e mesmo sob o título de filosofia verdadeiramente científica – imaginam poder elaborar, quero dizer, elaborá-la como ciência fundamental apriorística universal para todas as ciências objetivas, essa ciência não é nada mais do que uma ingenuidade". Ao contrário, a ciência não ingênua do mundo da vida que é a fenomenologia, Husserl   vai desenvolvê-la segundo o método de uma atitude reflexiva que se orientará até o fim na direção da explicação dos modos de dados subjetivos desse mundo e de seus objetos, ou seja, da correlação transcendental do mundo da vida mesmo e da consciência que se tem dele.

Os problemas que tal projeto coloca são, no entanto, imensos: o primeiro é que todo modo de aparecimento de um ente particular que se oferece como objeto de percepção se acompanha, de fato, de um horizonte inteiro de modos de aparecimento e de sínteses de validação não atuais mas cofuncionantes, o que introduz a ideia não trivial de um a priori universal de correlação. De fato, as coisas do mundo circundante, assim como sua consciência correlativa, mudam de aspecto segundo a diversidade de suas ostensões parciais, as modificações de perspectivas e de distanciamento, mas também todas as alterações que podem afetar o sujeito: processos cinestésicos, modificação de validade, tipo de consciência de horizonte ou de comunização da experiência… Todo ente é, portanto, o índice de um sistema subjetivo de correlação complexa ao qual corresponde, como única ontologia possível, uma "ontologia do mundo da vida", ontologia que "é preciso extrair da pura evidência", ou seja, de uma visão da essência proveniente de uma doação de si mesma direta, já que não se pode utilizar aqui as mediações dos saberes sem comprometer a essência mesma, pré-científica, do mundo circundante.

Essa complexidade de apreensão do mundo circundante da vida é apenas a primeira das muitas dificuldades e armadilhas que o filósofo encontrará na realização de seu projeto. A questão da verdade é outra (já que não se poderá mais falar, em fenomenologia, de verdade objetiva no sentido das ciências da natureza). Da mesma forma, a ideia de uma epoché suspendendo todo tipo de interesse prévio parece em contradição com a própria possibilidade da pesquisa transcendental. "Como poderíamos fazer da percepção e do percebido, da lembrança e do que é lembrado, do objetivo e da conservação do objetivo – o que inclui a arte, a ciência, a filosofia – um tema transcendental, sem viver plenamente tais dimensões e vivê-las de modo exemplar, e mesmo em plena evidência?". Mas como chegar a essa evidência de apreensão – por exemplo, no campo das ciências – sem ter previamente uma representação suficientemente exata das intenções de objeto das disciplinas que a compõem, o que só se pode adquirir com muita dificuldade sem praticá-las. Por fim, a vida subjetiva constituinte do mundo da vida se dá como um incessante fluxo heraclitiano de consciência, de modo que não pode haver, como análogo da ciência empírica dos fatos, uma ciência descritiva do ser e da vida transcendental. Eis, portanto, a fenomenologia definida como uma ciência sem verdade objetiva, onde é preciso viver o mais próximo possível daquilo de que se desligou previamente com cuidado, e onde a inapreensibilidade dos objetos é tal que nem mesmo é possível descrevê-los. Husserl  , na corda bamba, terá, portanto, que se explicar sobre a natureza dessa ciência e sobre a especificidade que a caracteriza, dedicando muita energia, em particular, a diferenciá-la da psicologia e da psicofisiologia, suas grandes rivais objetivistas.

Conhecemos as respostas: a noção de intencionalidade substituirá a noção de representação, à qual estão ligadas as ideias de descrição e de verdade objetiva. Em relação às intenções intencionais, é, portanto, a noção de sentido que terá pertinência, e não a noção de verdade objetiva, ainda que não se saiba realmente se a fenomenologia pode eliminá-la completamente. Por fim, a epoché como tal não se reduzirá a uma redução individual e paralisante. Ela deverá ser vivida, e de forma coletiva. Como mostra Husserl  , "todas as almas formam uma única unidade de intencionalidade, que a fenomenologia deve desdobrar sistematicamente, na implicação recíproca dos fluxos de vida dos sujeitos individuais". O objetivismo e o naturalismo não representam mais do que uma face da realidade e não podem mais servir de paradigma nem justificar uma ideologia política desumana. "O que na positividade ingênua ou na objetividade é uma exterioridade é, ao contrário, olhado de dentro, uma compenetração intencional". O reconhecimento da intencionalidade do outro, a própria presença do outro como intencionalidade indissociavelmente misturada à minha, impedirá, portanto, a possibilidade de sua coisificação ou negação.

Em resumo, vê-se bem até onde vai a meditação do filósofo Edmund Husserl   sobre a crise concreta, aparentemente puramente factual (econômica, social, psicológica…) que a humanidade europeia enfrenta nos anos 1930. O que o filósofo não diz explicitamente, mas que nos parece ser o sentido último de seu discurso, é que os povos sucumbem às ideologias mais grosseiras porque vivem uma crise, um mal-estar, que resultam fundamentalmente da impotência do projeto ocidental racionalista – pelo menos em sua forma objetivista e naturalista – em levar em conta as realidades do mundo da vida e as aspirações das consciências para as quais é esse mundo, e não outro, que faz sentido. A insatisfação gerada por esse fracasso é a fonte do mal-estar das sociedades e das grandes convulsões das quais elas começam a ser o teatro, e que levarão, de forma mais ou menos inevitável, a Alemanha ao nazismo, à Segunda Guerra Mundial e às atrocidades que a acompanharam. É evidentemente duvidoso, para não dizer cômico, imaginar que a fenomenologia transcendental poderia, sozinha, modificar significativamente o curso da história. Mas não se pode contestar que, do ponto de vista de Husserl   e da filosofia, é nesse nível fundamental de reflexão – extremamente abstrato, é verdade, mas não desprovido de ligações com o sensível – que um diagnóstico pode ser feito, uma causalidade identificada e uma crítica (que é uma máquina de guerra antinaturalista e antiobjetivista) estabelecida. A causa profunda das crises culturais está, portanto, fundamentalmente, em um erro filosófico.