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Rorty (1999) – como uma coisa é em si própria não existe sob qualquer descrição
quinta-feira 13 de março de 2025, por
(Rorty1999)
[…] Um pragmatista deve também insistir (com Goodman, Nietzsche , Putnam e Heidegger) que o modo como uma coisa é em si própria não existe, sob qualquer descrição, para além de qualquer uso que o ser humano lhe queira dar. A vantagem de insistir nestes pontos é que qualquer dualismo que encontremos, qualquer divisão que encontremos um filósofo a querer preencher ou ligar, pode fazer-se com que pareça uma simples diferença entre dois conjuntos de descrições do mesmo grupo de coisas.
«Poder fazer-se de modo a que pareça» não contrasta neste contexto com o que «realmente é». Não é como se houvesse um procedimento para descobrir se estamos de facto a lidar com dois grupos de coisas ou com um. A coisa em si, a identidade, depende da descrição. Nem é o caso de a linguagem realmente ser apenas cadeias de sinais e rutdos que os organismos utilizam para conseguirem o que querem. A descrição nietzschiana e deweyniana da linguagem é tão-pouco a verdade sobre a linguagem como a descrição que Heidegger faz dela como sendo «a casa do Ser» ou a de Derrida como «o jogo de referências significantes». Cada uma delas é apenas mais uma verdade útil sobre a linguagem — mais uma daquilo a que Wittgenstein apelidou de «notas para um objectivo particular».
O objectivo particular desempenhado pela lembrança de que a linguagem pode ser descrita em termos darwinianos é ajudar-nos a fugir daquilo a que, na introdução ao volume I, chamei «representacionalismo» e, desse modo, da distinção realidade-aparência. Obviamente considero que as melhores partes de Heidegger e Derrida são as que nos ajudam a perceber como as coisas são sob descrições não representacionalistas e não logocentristas — como são quando começamos a tomar a relatividade da coisalidade à escolha da descrição como garantida, e então começamos a perguntar como podemos ser úteis em vez de como ser correctos. Considero que as piores partes de Heidegger e de Derrida são aquelas que sugerem que eles próprios finalmente acertaram sobre o que é a linguagem, que a representaram com precisão, tal como ela é. Foram estas partes que tentaram Paul de Man a dizer coisas como «a literatura (…) é a única forma de linguagem que está livre da falácia da expressão espontânea» [1] e Jonathan Culler a insistir que uma teoria da linguagem deveria responder a questões sobre «a natureza essencial da linguagem» [2]. Foram também estas partes que levaram uma geração inteira de teóricos literários americanos a falar «da descoberta do caracter não referencial da linguagem», como se Saussure, Wittgenstein ou Derrida ou alguém tivesse demonstrado que a referência e a representação eram ilusões (contrariamente a serem noções que, em certos contextos, podiam perfeitamente ser dispensadas).
Se a tratamos simplesmente como uma lembrança, em vez de como uma metafísica, então acho que o que se segue é uma boa maneira de aproximar a conclusão última tanto da tradição Quine-Putnam-Davidson sobre a filosofia analítica da linguagem como da tradição Heidegger-Derrida do pensamento pós-nietzschiano. Considere as frases como cadeias de sinais e ruídos emitidos por organismos, cadeias capazes de formarem pares com as cadeias que nós próprios emitimos (da forma a que chamamos «traduzir»). Considere as crenças, os desejos e as intenções — geralmente atitudes sentenciosas — como entidades destinadas a ajudar a predizer o comportamento desses organismos. Agora, pense nesses organismos evoluindo gradualmente como resultado de produzirem cadeias mais compridas e mais complicadas, que lhes permitem fazer coisas que não conseguiam fazer com a ajuda de cadeias mais pequenas e menos complicadas. Agora, pense em nós como um exemplo desses organismos altamente evoluídos, nas nossas melhores esperanças e medos mais profundos como tomados realidade devido, entre outras coisas, à nossa capacidade de produzir as cadeias particulares que emitimos. Depois, pense nas quatro frases que antecedem esta, como outros exemplos dessas mesmas cadeias. Penultimamente, pense nas cinco frases que antecedem esta, como um esboço para um novo desenho da casa do Ser, um novo lar para nós, pastores do Ser. Por fim, pense nas últimas seis frases como ainda um outro exemplo do jogo dos significantes, um outro exemplo da maneira como o significado é infinitamente alterável através da recontextualiza
[1] Paul de Man, Blindness and Insight, 2a edição (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1983), p. 17.
[2] Jonathan Culler, On Deconstruction: Theory and Criticism. After Structuralism» (Itaca, N. L: Cornell University Press, 1982), p. 118.