Página inicial > Fenomenologia > Marion (RD) – Ego e Dasein
Marion (RD) – Ego e Dasein
Do ponto de vista — dominante — de sua "falha", o ego cartesiano vê-se absolutamente impedido de manifestar o sentido do ser, propriedade que caracteriza apenas o Dasein. O antagonismo ôntico-ontológico entre o ego cogito e o Dasein apareceu suficientemente claro (§5), para que, sem insistir nele nem enfraquecê-lo, possamos contudo equilibrá-lo com a observação de outra relação entre esses mesmos antagonistas.
Certamente, o ego cogito se apresenta ao Dasein como seu adversário mais rigoroso; e, no entanto, o Dasein não teria um dever tão urgente de destruí-lo se não reconhecesse nele, como num esboço desviado, alguns de seus traços mais próprios: o Dasein, de fato, não pode deixar de se reconhecer em pelo menos quatro características do ego cogito, numa rivalidade tanto mais perturbadora quanto as semelhanças só a avivam.
(a) O Dasein "… não tem um fim (Ende) onde simplesmente cessa, mas existe de maneira finita (existiert endlich)"; a finitude não se acrescenta como algo exterior à existência, que assim simplesmente não teria uma duração indefinida (endlose); ela determina essencialmente o Dasein, que só é para um termo, sua própria morte, segundo uma temporalidade do porvir; a finitude, marcando o ser-para-a-morte, abre para o Dasein o acesso à sua temporalidade extática própria, privilegiando o futuro, em oposição à temporalidade da Vorhandenheit, que privilegia o presente como permanência.
Ora, o ego cogito também se caracteriza pela finitude: "… cum sim finitus…" [46]; essa finitude não tem apenas uma função antropológica (o ego deve morrer, carece de várias perfeições etc.), mas quase ontológica; de fato, a finitude é a única que provoca a dúvida, desencadeando assim a cogitatio, que por sua vez institui os entes do mundo como tantos cogitata a serem constituídos; a finitude do ego determina assim diretamente o sentido de ser dos entes que não são o ego.
A pertinência dessa aproximação permanece certamente oculta para e por Heidegger, já que ele só considera a finitude do ego no horizonte da "antropologia antigo-cristã" [47] e reduz a relação entre substância finita e substância infinita a uma produção eficiente, de modo a negar à finitude cartesiana qualquer validade originária. No entanto, o fato permanece: o ego só pode estabelecer a si mesmo como cogito e, indissociavelmente, os entes do mundo como cogitata porque é segundo uma finitude essencial; além disso, a meditação posterior de Heidegger sobre a cogitatio (representação, Vorstellung) não cessará de desenvolver essa implicação.
— Portanto, o Dasein confirma o ego segundo a finitude.
Há mais: (b) O Dasein só é o ente no ser do qual se trata desse próprio ser sob a condição expressa de que esse ser seja o seu, em pessoa: "…sua essência consiste precisamente em que ele tem sempre que ser seu ser como sendo o seu (… es je sein Sein als seiniges zu sein hat)"; ou ainda: "O ser que está em jogo para este ente é sempre o meu. (…) A invocação do Dasein, conforme o caráter de ser-sempre-meu (Jemeinigkeit) deste ente, deve portanto sempre incluir o pronome pessoal: ’eu sou’, ’tu és’." [48] O Dasein só pode ser ele mesmo, a saber, aquele que tem como propriedade colocar-se em jogo como ente tendo o ser como aposta, em caráter pessoal; ninguém pode desempenhar o papel do Dasein no lugar de outrem; a função de Dasein não admite nenhuma ausência; mesmo que seja "tu és" o Dasein, este tu também deverá dizer "eu sou"; o Dasein, mesmo e sobretudo desempenhado por outro que não eu mesmo, se desempenha em primeira pessoa, porque deve ser vivido em pessoa. Assim, mesmo que o Dasein não diga inicialmente ego cogito, ele só pode dizer – sein [ser] ao dizer "ich bin" [eu sou], portanto "ego sum". O Dasein fala assim inevitavelmente, ao menos uma vez, como o ego cogito: "…ego sum…", "…eu sou…". Este encontro parece absolutamente decisivo.
Com efeito, Descartes
Descartes
H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes.
não apenas inaugurou a ligação entre a cogitatio e a existência em um "sujeito"; ele as ligou em um "sujeito" ele mesmo sempre interpretado (no sentido teatral do termo) em primeira pessoa, ou melhor, em um personagem (persona, também teatral) que é preciso, em pessoa, performar (teatralmente sempre) assumindo a função de um "eu" – dizendo "eu", "hoc pronuntiatum, Ego" [49]. Os sucessores de Descartes
Descartes
H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes.
tenderão, ao contrário, a eliminar este engajamento do e para o ego; seja substituindo a primeira fórmula por outra, que ninguém mais precisa performar em própria pessoa: "Homo cogitat" (Espinosa
Spinoza
Espinosa
); seja mesmo abolindo-a, por subtração (Malebranche) ou por generalização (Leibniz
Leibniz
LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm (1646-1716). Leibniz centraliza sua reflexão sobre o "tema" que H tem por central em toda filosofia desde Platão e Aristóteles: a questão do ser. (LDMH)
). Descartes
Descartes
H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes.
se distingue portanto não apenas pela ligação necessária de duas naturezas simples (cogitatio e existentia), mas sobretudo pela performance de seu vínculo necessário pelo ego insubstituível.
A existência só advém ao homem na medida em que ele pensa, mas sobretudo na medida em que pensa na postura do ego. Assim Descartes Descartes H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes. se aproxima consideravelmente do insubstituível que caracteriza o Dasein. – Portanto, o Dasein confirma o ego segundo o a-cada-vez-meu (Jemeinigkeit) [50].
© A finitude e o insubstituível do Dasein lhe advêm enquanto o ente no ser do qual se trata de seu ser; este modo de ser lhe cabe em virtude de seu ser-para-a-morte, pois a morte é a possibilidade mais própria, mais absoluta e menos superável; de fato "a morte [é] a possibilidade da pura e simples impossibilidade do Dasein" [51]. Para sua morte, o Dasein se descobre exposto à sua própria e última impossibilidade, tanto porque a morte nos permanece inconcebível onticamente (inimaginável), quanto porque a morte põe um termo à possibilidade que é o Dasein (mais ainda que à sua possibilidade de "fazer" tal ou qual coisa).
Ora, o ego cogito conhece um paradoxo semelhante, não certamente a respeito de sua morte, mas a respeito de sua liberdade; pois a possibilidade se revela, em termos cartesianos, com o livre-arbítrio, único infinito formalmente na res cogitans finita. Este livre-arbítrio revela sua impossibilidade quando se confronta com a onisciência e a onipotência divinas, que aniquilam a própria noção de possível; em tal encontro, o ego cogito não apenas enfrenta a impossibilidade da possibilidade (livre), tal como segundo a teoria ela se impõe; ele encontra também a possibilidade da impossibilidade, já que decide, na ordem prática, agir como se pudesse agir livremente, embora não compreenda como o pode. Em cada ação, o ego cogito se comporta como se fosse livre e como se o impossível (um evento não predeterminado necessariamente por Deus) se tornasse novamente aberto ao possível. A possibilidade do impossível pode portanto ser entendida tanto da liberdade quanto do ser-para-a-morte. – Assim o Dasein confirma mais uma vez o ego segundo a possibilidade da impossibilidade.