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Byung-Chul Han (2023) – a atrofia do tempo

sábado 8 de março de 2025, por Cardoso de Castro

Uma atrofia muscular aflige a vida na modernidade. Ela é ameaçada pela desintegração do tempo. Com sua Recherche, Proust tenta combater a atrofia temporal, a perda do tempo que se dá na forma de uma atrofia muscular. O reencontro do tempo aparece em 1927. Neste ano, Heidegger publica Ser e tempo  Heidegger, todavia, também escreve resolutamente contra a atrofia temporal da modernidade, que desestabiliza e fragmenta a vida. A fragmentação e a atrofia da vida na modernidade são contrapostas à “ex-tensão de toda a existência”, “na qual o ser-aí [Dasein, a designação ontológica do ser humano], enquanto destino, mantém ‘inseridos’, em sua existência, nascimento, morte e o seu ‘entre’” [1]. O ser humano não existe na forma de um instante para o outro. Não é um tipo de ser momentâneo. Sua existência abrange todo o período entre o nascimento e a morte. Devido à falta de orientação externa, devido à falta de ancoragem narrativa no ser, é do próprio eu que tem que emanar a força para contrair o intervalo de tempo entre o nascimento e a morte, transformando-o em uma unidade viva que permeia e engloba todos os eventos e acontecimentos. A continuidade do ser é garantida pela continuidade do eu. A “constância do eu” forma o eixo central do tempo que deve nos proteger da fragmentação do tempo.

Ao contrário do que afirma Heidegger, Ser e tempo   não é uma análise atemporal da existência humana, mas um reflexo da crise temporal da modernidade. A angústia, que desempenha um papel tão eminente em Ser e tempo  , também faz parte da patologia do ser humano moderno que não encontra mais um ponto de apoio no mundo. A morte também não está mais inserida em uma narrativa significativa de redenção. Em vez disso, é a minha morte, que só eu devo assumir. Como ela acaba com o meu eu de uma vez por todas, o ser-aí se contrai em si mesmo diante da morte. É a partir da presença constante da morte que desperta a ênfase no eu. A espasticidade existencial do ser-aí encerrado em si mesmo desenvolve a resiliência, a força muscular, que preserva o ser-aí da ameaça da atrofia temporal e o ajuda a alcançar uma continuidade temporal.

ser-si-mesmo de Heidegger é anterior ao contexto narrativo da vida produzido posteriormente. O ser-aí se assegura de si mesmo antes de narrar a si mesmo uma história coerente referente ao mundo da interioridade. O eu não é construído através de ocorrências coerentes do mundo interior. Somente a “ex-tensão de toda a existência” cria a “autêntica historicidade”. Contra a atrofia do tempo, busca-se uma estruturação temporal da existência, uma “ex-tensão de toda a existência, originária, que nem se perde e nem necessita de um nexo” [2]. Ela deve garantir que o ser-aí, como unidade pré-narrativa, não se desintegre em uma “soma das realidades momentâneas de vivências que vêm e desaparecem uma após a outra” [3]. Ela retira o ser-aí da “multiplicidade infinda das possibilidades de bem-estar, simplificar e esquivar-se”, e o ancora na “simplicidade de seu destino [4]. Ter um destino significa assumir o controle de si mesmo. Quem se rende às “realidades momentâneas” não possui destino, não possui “historicidade autêntica”. (ByungCN)


[1HEIDEGGER, M. Ser e tempo. Parte II. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 197 [optamos por traduzir Dasein por ser-aí [N.T.].

[2Ibid., p. 197.

[3Ibid., p. 178.

[4Ibid., p. 189.