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HEIDEGGER: UM MESTRE DA ALEMANHA
Safranski: Heidegger e Bultmann
Um Mestre da Alemanha Entre o Bem e o Mal
Excertos de Rüdiger Safranski Safranski RÜDIGER SAFRANSKI (1945) , HEIDEGGER
Logo depois da sua chegada em Marburg, Heidegger assistiu a uma conferência de Eduard Thurneysen, que era um dos teólogos dialéticos reunidos em torno de Karl Barth. Para Gadamer
Gadamer
Hans-Georg Gadamer
HANS-GEORG GADAMER (1900-2002)
a intervenção de Heidegger ficou inesquecível, pois o que ele dizia não contrariava o espírito do lugar mas aquilo que os boatos diziam sobre Heidegger em Marburg: que ele se afastara da fé e da igreja. Heidegger disse: "é a verdadeira tarefa da teologia, para a qual esta deveria voltar, procurar a palavra capaz de convocar para a fé e preservar na fé".
Essa formulação descreve bastante precisamente a intenção do grande teólogo presente, Rudolf Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
. Este viera a Marburg dois anos antes de Heidegger. Ali renovaria a teologia protestante pela segunda vez depois de Karl Barth. Essa teologia só viverá seu grande momento depois de 1945, com o nome de desmitologização, mas é nos anos de Heidegger em Marburg que Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
a desenvolverá. E é uma teologia no espírito da filosofia heideggeriana. O próprio Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
não deixa dúvidas quanto a isso. Da análise do Dasein de Heidegger, Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
extrai a descrição da condição humana, da "existência": ser-lançado, preocupação, temporalidade, morte e fuga na impropriedade (Uneigentlichkeit). É importante para ele a crítica de Heidegger a uma metafísica em que o pensar imagina uma dispensa irreal do tempo e uma disponibilidade da vida. O que em Heidegger é crítica à metafísica, em Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
será a desmitologização. O filósofo Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
quer, como Heidegger, expor o "dispositivo existencial" do Dasein humano; o teólogo Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
quer então confrontar essa existência "nua" com a mensagem cristã, que é igualmente libertada de dogmas históricos e reduzida à sua significação existencial fundamental. O fato de que Heidegger, assim como o compreende Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
, não descreve um ideal de existência mas apenas os dispositivos existenciais, é que o torna tão possível de ser ligado à teologia de Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
. Diz Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
: "Na medida em que a filosofia da existência não responde à indagação pela minha própria existência, coloca a minha própria existência sob minha responsabilidade pessoal, e fazendo isso ela me abre para a palavra da Bíblia".
Heidegger e Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
logo travam amizade, ambos ficarão fiéis a ela a vida inteira. Mas a relação intelectual entre os dois permanece assimétrica. Heidegger não é influenciado por Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
da mesma maneira como Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
por ele. Ele aceita a teologia de Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
sob o pressuposto da fé, que porém não pode ser tema da filosofia. Mas Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
segue o caminho da filosofia heideggeriana mais um pouco, para encontrar aquele lugar onde a mensagem cristã pode funcionar.
A convite de Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
, no verão de 1924, Heidegger pronuncia diante dos teólogos de Marburg a conferência O Conceito de Tempo, modelo da arte de Heidegger do eloquente silêncio filosófico nos assuntos de teologia.
No começo protesta não querer dizer nada sobre coisas teológicas e divinas, limitando-se ao humano, mas depois passará a falar a respeito de tal maneira que no final uma teologia do tipo da de Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
haverá de servir como a chave na fechadura.
Na época dessa conferência Heidegger já está elaborando as ideias de Ser e Tempo
GA2
Sein und Zeit
SZ
SuZ
S.u.Z.
Être et temps
Ser e Tempo
Being and Time
Ser y Tiempo
EtreTemps
STMS
STFC
BTMR
STJR
BTJS
ETFV
STJG
ETJA
ETEM
Sein und Zeit (1927), ed. Friedrich-Wilhelm von Herrmann, 1977, XIV, 586p. Revised 2018. [GA2] / Sein und Zeit (1927), Tübingen, Max Niemeyer, 1967. / Sein und Zeit. Tübingen : Max Niemeyer Verlag, 1972
. Em forma condensada ele apresenta um resumo dos mais importantes dispositivos fundamentais do Dasein, todos determinados pelo caráter do tempo. Pela primeira vez aqui ele explica - com essa ênfase a temporalidade como mortalidade: O Dasein sabe da sua morte… O Dasein sente que vai passar (GA64
GA64
GA64FR
GA64EN1
GA64EN2
GA64ES1
GA64ES2
Der Begriff der Zeit (1924). I. Die Fragestellung Diltheys und Yorcks Grundtendenz, II. Die ursprünglichen Seinscharaktere des Daseins, III. Dasein und Zeitlichkeit, IV. Zeitlichkeit und Geschichtlichkeit, Anhang: Der Begriff der Zeit. Vortrag vor der Marburger Theologenschaft Juli 1924, ed. Friedrich-Wilhelm von Herrmann, 2004.
, 12). Em cada ação e vivência aqui e agora já percebemos esse passar. O curso da vida é sempre um passar da vida. Vivenciamos o tempo em nós mesmos como esse passar. Por isso esse passar não é o fato da morte no final de nossa vida, mas a maneira como a vida se cumpre, pura e simplesmente o como de meu Dasein (GA64
GA64
GA64FR
GA64EN1
GA64EN2
GA64ES1
GA64ES2
Der Begriff der Zeit (1924). I. Die Fragestellung Diltheys und Yorcks Grundtendenz, II. Die ursprünglichen Seinscharaktere des Daseins, III. Dasein und Zeitlichkeit, IV. Zeitlichkeit und Geschichtlichkeit, Anhang: Der Begriff der Zeit. Vortrag vor der Marburger Theologenschaft Juli 1924, ed. Friedrich-Wilhelm von Herrmann, 2004.
, 18).
Em que essas reflexões se distinguem da grande tradição do refletir sobre a morte, dos pensamentos de morte de Sócrates
Sokrates
Sócrates
Socrates
, da exortação cristã memento mori, da frase de Montaigne: filosofar é aprender a morrer?
Distinguem-se porque Heidegger não pensa na morte para depois triunfar sobre ela com o pensamento, mas para tornar claro que só o pensar na morte, nesse passar sempre presente, é que abrirá o acesso para a temporalidade, e com isso para a indisponibilidade do Dasein.
Essa conferência contenta-se com alusões que mais tarde serão desenvolvidas no famoso capítulo sobre a morte em Ser e Tempo
GA2
Sein und Zeit
SZ
SuZ
S.u.Z.
Être et temps
Ser e Tempo
Being and Time
Ser y Tiempo
EtreTemps
STMS
STFC
BTMR
STJR
BTJS
ETFV
STJG
ETJA
ETEM
Sein und Zeit (1927), ed. Friedrich-Wilhelm von Herrmann, 1977, XIV, 586p. Revised 2018. [GA2] / Sein und Zeit (1927), Tübingen, Max Niemeyer, 1967. / Sein und Zeit. Tübingen : Max Niemeyer Verlag, 1972
. Mas as alusões bastam para rejeitar claramente uma poderosa tradição da teologia e da metafísica. É uma tradição que institui Deus ou o Ser Supremo como uma esfera removida do tempo, da qual podemos participar pela fé ou pelo pensar. Heidegger interpreta isso como fugir da própria temporalidade. A suposta ligação com o eterno não supera o tempo mas apenas recua diante dele, não amplia nossas possibilidades mas permanece aquém delas.
Essa tradição da qual Heidegger se aparta é a mesma contra a qual também Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
desenvolve a sua teologia da desmitologização; uma teologia que coloca no centro a mensagem cristã da cruz, portanto a morte de um Deus. Na teologia de Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
pressupõe-se a experiência de temporalidade assim como a elabora Heidegger. Em Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
é preciso ter vivenciado o ser para a morte, com todos os terrores e angústias, antes de sequer poder ser receptível à mensagem cristã. Cruz e ressurreição designam a transformação que se realiza na vida de um crente: renascimento do ser humano não é o fato fantasiado de uma eternidade futura, mas realiza-se aqui e agora como transformação do homem interior - um renascer da temporalidade radicalmente vivenciada, e isto quer dizer mortalidade da vida. Na vida rodeado pela morte, e na morte rodeado pela vida. Essa é a mensagem paradoxal e lacônica do Novo Testamento - na interpretação de Bultmann
Bultmann
Rudolf Bultmann
Rudolf Bultmann (1884-1976) foi companheiro e amigo de Heidegger em Marbourg: "um único homem: Bultmann, que encontro cada semana" (carta a Jaspers).
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Ver online : VERSÃO EM ESPANHOL
VIDE: Vocabulário da Filosofia