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O lugar para o qual a existência é direcionada é a morte (Vattimo)
domingo 20 de abril de 2025, por
Vattimo2021
Qual é o significado da vida individual, o destino do homem individual, o significado e o destino da humanidade em um ambiente em que o “futuro não é garantido”, ou seja, o indivíduo é um viajante em um navio cujo porto desconhece?
Acredito precisamente que a filosofia não deve e não pode ensinar a pessoa para onde ela está indo, mas a viver na condição de quem não está indo para lugar algum. Cada vez mais, parece-me que a principal mistificação da ideologia é o que pode ser chamado de “falácia platônica”, a atribuição do caráter de eternidade e estabilidade ao ser. De acordo com essa mistificação, o conhecimento teria a tarefa de identificar a verdade, um primeiro princípio, um ponto de referência seguro e definitivo: precisamente o lugar para o qual a existência é direcionada e do qual ela tira suas “diretrizes”, incluindo as práticas. Mas o lugar para o qual a existência é direcionada é a morte. Então, uma filosofia pessimista, desesperada e “niilista”? Não creio que seja isso. Heidegger fala da morte como uma “arca do tesouro”, um depósito de tesouros. Não apenas o gosto pelas coisas da vida está intimamente ligado à sua precariedade e temporariedade, ao seu nascimento e perecimento. A riqueza da história humana, em sua transformação e enriquecimento (de significados, de nuances) por meio das vicissitudes das gerações e da multiplicidade de interpretações, também depende intimamente da morte. A morte é o caixão no qual os valores são colocados: a experiência de vida das gerações passadas, os grandes e belos do passado com quem queremos estar e dialogar, as pessoas que amamos e que já faleceram. A própria linguagem, como uma cristalização de atos de fala, de modos de experiência, é colocada no caixão da morte. Esse caixão é também, afinal, a fonte das poucas regras que podem nos ajudar a nos mover de maneira não caótica e desordenada pela existência, mesmo sabendo que não estamos indo a lugar algum. As novas experiências que temos só fazem sentido na medida em que continuam o diálogo com o que o caixão da morte — história, tradição, linguagem — nos transmitiu. Se rejeitarmos a falácia platônica como ideológica e dogmática, essa continuidade com a história humana — que carregamos, em traços, estruturas lógicas, formas “a priori” de experiência, na linguagem — é a única fonte possível de critérios, regras, diretrizes racionais (melhor: razoáveis) que nos é dado possuir.