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Dynamis e energeia (Maldiney)
quarta-feira 23 de abril de 2025, por
Maldiney1975
A existência, para ser pensada, sempre exigiu dos filósofos a formação de conceitos inconcebíveis, cujo paradoxo inacessível ao entendimento é a própria estrutura da razão. Aristóteles, por exemplo, a define como energeia. Ora, esse conceito não é livre, mas originariamente ligado ao de dynamis (potência). Os dois só têm sentido juntos; e a articulação desse conjunto é o logos do pensamento e do ser.
"A potência se entende como o princípio do movimento e da mudança situado em outro ser ou no mesmo ser enquanto outro."
A potência coloca em jogo, portanto, a alteridade do ente em relação a si mesmo, isto é, em relação à sua entidade. Ela não é; e, no entanto, não é nada. Assim ocorre com o infinito (apeiron), sobre o qual Aristóteles declara que só existe em potência, e Platão, que "ele sempre se torna, mas nunca é". Ora, o infinito tem, no Filebo, a mesma função que a matéria (hyle) na doutrina aristotélica das "causas" do ente. Ele é, como ela, um princípio que, tomado absolutamente, não é, mas que também não é nada.
Com base nessa situação, estendida ao conjunto do sistema das causas do ente, segundo Aristóteles, e dos integrantes da existência, segundo Platão, Schelling tenta esclarecer a relação entre dynamis e energeia. As causas do ente (ou os princípios do existente) só têm realidade nele. Em si e por si, elas são o não-real — mas não o não-existente. Nesse sentido, são potências. Mas o ser em potência de cada uma é apenas um momento da tensão interior do sistema, que é a única portadora do significado da potência.
A análise platônica das potências em jogo na existência feliz evidencia três momentos, que Schelling expressa como um trinômio: Sein-können, Sein-müssen e Sein-sollen (possibilidade, necessidade, exigência de ser). Tais são, de fato, no Filebo, os estatutos respectivos do ilimitado, do limite e da harmonia.
A relação aristotélica entre dynamis e energeia transporta para o plano do ente em geral a relação estabelecida por Platão entre essas três potências (como possibilidade de ser do existente) e a alma que as efetiva ao se efetivar. O ser em potência do ente ou do existente comporta, portanto, três dimensões diferentes, cuja exigência de indivisão é a de uma razão ela mesma potente, que emerge com o poder do primeiro momento. Mas, se ela emerge com ele, também o transcende. Ela é, no próprio ilimitado, exigência de harmonia.
Para compreender essa razão, é necessário distinguir dois significados da potência. Considerando a potência do ilimitado na perspectiva da matéria e da primeira "causa", Schelling diz que "ela permanece no fundo um simples poder-ser"… "Mesmo elevada ao ser, ela pode voltar a ser um poder-ser, mas em sentido inverso. Pois, tão logo é elevada ao ser, ela cai sob o poder do outro, que a devolve ao estatuto do poder-ser". Sua dupla natureza, ligada a essa inversão de sentido, consiste no fato de que o ser de sua possibilidade — que não permite dizer "que ela está destinada a ser" nem "que está destinada a não ser" — tornou-se possibilidade de ser. O que está em questão aqui é o Apeiron de Anaximandro e do Filebo, ao qual se aplica rigorosamente a seguinte afirmação de Schelling : "Quando falamos pela primeira vez dessa potência que serve de começo a tudo (a), ela ainda fazia parte apenas da matéria futura, puramente ideal, da existência. Mas, a partir do momento em que começa a participar do ser divino (b), é o seu próprio ser que se tornou uma possibilidade".
A dupla dimensão do infinito é marcada no Filebo, quando Platão fala do terceiro princípio do ente e postula "essa unidade que é o todo nascido do infinito (Apeiron) e do limite (Peras)" e declara que esse nascimento do todo (ekgonon hapari) é um nascimento para o ser (genesis eis ousian).
O infinito não é, portanto, apenas um constituinte, mas um integrante cuja unidade distintiva supõe a entrada em cena dessa unidade de nível superior que é a harmonia — a qual é ousia. Ele só existe nela. Em si e por si, não é. Sua dimensão é um poder-ser.
Ora, se o infinito e o limite são os integrantes (eles mesmos hierarquizados) da harmonia, esta é, como a frase, o predicado por excelência. Ela se situa no extremo oposto, e Schelling a assimila à causa final de Aristóteles. "Ela é", diz ele, "o poder-ser verdadeiro e livre, pois lhe é indiferente ser ou não ser, já que, mesmo no seio do ser (movendo-se nele), ela não cessa de ser o Poder e continua a existir no não-ser". Que definição precisa da transformação de tom na música grega! Schelling acrescenta que "ela não é apenas o que é, mas tem que ser".
Mas o que ela tem que ser? — Ela tem que ser o "estero armonico", o exterior harmônico do Uno.
Com efeito, a dynamis cuja tensão se articula segundo esses momentos — que são os limiares de ruptura e emergência de uma razão potente — é "o princípio da existência no existente", aquele que o Filebo chama de causa. Em sua separação, as três potências são apenas possíveis. Mas "havia uma unidade antes que se pudesse pensar em divisão", era o princípio do qual elas recebiam a existência. Essa anterioridade perpétua é a que o imperfeito expressa na fórmula aristotélica da quarta causa: to ti en einai (o "que era para ser"). O ser eterno (expresso pelo infinitivo presente) estava lá como aquilo em que existiam essas causas. Por isso dissemos que elas são seus integrantes. Nesse sentido, a energeia precede a dynamis. "Nada do que está na Ideia", diz Schelling , "mesmo em estado… indiferenciado, deve ser perdido… e é assim que o que, no existente, corresponde à existência propriamente dita não pode desaparecer na dissociação da Ideia; ao contrário, é separado, destacado daquilo que, na Ideia, era o não-existente e se tornou o existente… Ele deixa de ser, como na Ideia, existente por essência e potencial, mas aparece como tal em estado atualizado… sem poder, no entanto, separar-se da existência da qual é a causa".
No Filebo, a identificação da Causa permanece numa espécie de indeterminação grandiosa. Como o Uno do Parmênides, ela está além da determinação. Apenas se diz dela que o nous lhe é aparentado. Ora, o noûs é o princípio dos pensamentos que versam sobre o ente que possui eminentemente a dimensão de ser. Da mesma forma, na República, a noesis acede ao Bem, que é igualmente a causa de tudo o que verdadeiramente é. Ora, se, de todas as ideai, só a Ideia do Bem ultrapassa a essência, é em razão de sua potência. Não há mais motivo aqui para separar dynamis e energeia. A definição aristotélica da quarta causa, to ti en einai, só se torna platônica se sua tradução clássica for acompanhada de outra: o que era para ser. Ser e para ser são o mesmo, como se reconheceu do Uno do Parmênides. Eles são o mesmo como energeia e dynamis. E o Filebo o confirma quando define a relação do Uno com a harmonia sob a forma da relação entre o Bem e o Belo. "A potência (dynamis) do Bem desceu para se refugiar na natureza (Physis) do Belo".
Assim como a potência da articulação de uma das sete cordas tem sua posição nas harmonias, o Uno se põe em harmonia pelo mesmo ato pelo qual, no Parmênides, ele se decide, a partir do nada de sua liberdade de indiferença. O Uno pode a si mesmo. E essa potência é um poder ativo — que restitui ao ato de ser seu sentido sui-transitivo. Se "é preciso dizer e pensar que o ente é", o único Logos que o pode também deve poder a si mesmo. Ele só pode falar e pensar em estado nascente, a partir dessa lucidez potente anterior a todo estado construído da linguagem e do saber.