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Byung-Chul Han (2023) – uma ética da inatividade
sábado 8 de março de 2025, por
Em Heidegger, há rastros de pensamento que se condensam em uma ética da inatividade. Ela vale tanto para as relações entre humanos como também para a relação com a natureza. Pouco antes de sua morte, Heidegger escreveu um pequeno escrito com o título Recordação de Marcelle Mathieu. O tema do escrito é a hospitalidade de sua anfitriã já falecida em Provença. Heidegger evoca, primeiramente, a grandiosa paisagem de sua pátria, como se sua hospitalidade surgisse imediatamente de sua relação intensa com a paisagem. Ele destaca o respeito que ela sente diante da paisagem: “A modéstia de seu respeito apareceu primeiramente quando a senhora de Les Camphoux convidou os amigos para o pico de Rebanqué, com sua vista multifacetada de uma grande paisagem” (GA16 :731). A grandiosa paisagem preenche a anfitriã com um “respeito milagroso” que lhe permite retirar a si mesma, desarmar-se e esvaziar-se. Seu respeito diante da paisagem se prolonga na relação entre seres humanos e se manifesta como hospitalidade.
O frente a frente excessivo da grandiosa paisagem coloca o observador em um estado de respeito diante do indisponível. Do mesmo modo Heidegger fala do “respeito hesitante diante do infactível” (GA52 :128). Quem é tomado pelo respeito, entrega-se ao outro do si-mesmo. No respeito, desperta uma atenção especial, uma receptividade amável ao outro. Ele nos ensina a escutar. Ele faz da anfitriã uma escutadora atenta:
Nas conversas dos amigos, ela permanecia a escutadora silenciosamente atenta, preocupada apenas com o bem-estar deles. Ela não era nem senhora nem criada, mas se continha entre ambos docilmente, em um não dito. É de se supor que ela mantivesse com este último diálogos silenciosos em suas muitas caminhadas que ela fazia inteiramente sozinha pela terra natal (GA16 ).
Heidegger remete, aqui, a capacidade de escuta ao poder do “não dito” que se anuncia na grandiosa paisagem. A anfitriã de Heidegger escuta de modo a se remover, ao se deixar de-finir pelo “não dito”. O “não dito” é a linguagem da Terra que se furta à vontade humana. A salvação da Terra depende de se estaremos ou não em condições de escutar a Terra.
Em Diálogos do caminho campestre, Heidegger faz a seguinte observação sobre o hóspede: “Ele sabe escutar e o faz de modo tão atencioso que ele é, para mim, com essa postura e gesto tão imperiosos, algo como o hóspede por excelência” (GA77 ). Em vista da paisagem grandiosa, a anfitriã de Heidegger experimenta a si mesma como hóspede. Ela se torna hóspede entre o céu e a Terra. Ela não é “nem senhora nem criada”. Como hóspede, ela se sujeita ao “não dito” ao escutá-lo. Seu respeito acentua a escuta.
A ética do respeito de Heidegger é expressa de modo anedótico em sua anfitriã: “E o respeito (Scheu)? Um rastro precioso dele foi deixado por ela para nós aqui em Freiburg, quando ela, estando diante de nossa casa com a intenção de nos visitar, não pensou em bater – e se foi novamente. Assim, às vezes, o não realizado é mais poderoso do que o dito e concretizado” (GA16 :732). Heidegger também poderia ter dito: A não ação é mais poderosa do que tudo feito e realizado. A ética do respeito é a ética da inatividade.
(ByungVC)