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Butler (2021) – superar a distinção sujeito-objeto
terça-feira 11 de março de 2025, por
Em um argumento que pode ser visto como extensão do esforço de Heidegger, em Ser e tempo , de estabelecer a prioridade da ontologia sobre a epistemologia, Merleau-Ponty procura voltar-se à relação que vincula sujeito e objeto antes de sua divisão, antes de sua formação como termos opostos e distintos. Heidegger insistiu que toda relação interrogativa que tomamos acerca de um objeto pressupõe que já estejamos em relação com esse mesmo objeto, que não sabemos o que perguntar sobre um objeto dado se não estivermos já numa relação de afinidade ou conhecimento do objeto. Na introdução de Ser e tempo , Heidegger considera não apenas o que talvez signifique pôr em questão o sentido do Ser, mas também aquilo que pode ser derivado, de modo mais geral, de uma explanação do que “pertence a um questionamento [qualquer]” (SZ Heidegger, 2005, p. 30). Ele prefigura para nós o que será chamado de círculo hermenêutico quando escreve:
Todo questionamento de […] é, de algum modo, um interrogatório acerca de […] Além do questionado, pertence ao questionamento um interrogado. Na investigação, […] deve-se determinar e chegar a conceber o questionado. No questionado reside, pois, o perguntado […]. Enquanto procura, o questionamento necessita de uma orientação prévia do procurado. Para isso, o sentido do ser já nos deve estar, de alguma maneira, disponível (SZ Heidegger, 2005, p. 31).
Nesse movimento em que a questão, a interrogativa, é remetida a um conjunto já estabelecido e disponível de inter-relações ontológicas, Heidegger procura demonstrar que as questões postas como o sujeito de um objeto são, em si mesmas, um sinal de que perdemos ou esquecemos alguma conexão ontológica prévia ao objeto, que agora nos aparece como estrangeiro e desconhecido. Em Merleau-Ponty acontece um movimento semelhante, mas diferente do Heidegger de Ser e tempo . Em O visível e o invisível, ele argumentará que a teia de relações que condiciona toda interrogação e que toda interrogação que possa ser dita para esquecer ou esconder são uma teia linguística; algumas vezes ele usará o termo “malha” ou “tessitura” ou, ainda, “tecido conjuntivo”, mas a implicação evidencia que esse é um conjunto vinculante de relações nas quais todas as diferenças aparentes são superadas pela totalidade da linguagem em si mesma. Aqui talvez se pudesse dizer que Merleau-Ponty transpôs a problemática introduzida por Heidegger, na qual a ontologia é mostrada como aquilo que precede a epistemologia, no quadro da linguística estruturalista em que se diz que a linguagem precede a epistemologia em um sentido restrito. Por “epistemologia”, aqui, queremos dizer apenas um conjunto de questões que procuram conhecer algo que não é ainda conhecido apropriada ou adequadamente. Como em Heidegger, o ponto de Merleau-Ponty consiste em superar a distinção sujeito-objeto que ele compreende como pressuposta e reforçada pela tradição epistemológica. A distinção sujeito-objeto pressuposta e instituída por essa tradição presume que o sujeito seja ontologicamente distinto de seu objeto, mas não se pergunta se pode haver algum substrato ou gênese em comum dos quais ambos, sujeito e objeto, emergem e integram-se de maneira original.
(BUTLER , J. Os sentidos do sujeito. Tradução coletiva-Carla Rodrigues (coord.). Belo Horizonte, MG: Autêntica Editora, 2021)