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Arendt (RJ) – Conduta moral é algo natural?
domingo 18 de maio de 2025, por
ArendtRJ
[…] ninguém em sã consciência pode ainda afirmar que a conduta moral é algo natural – das Moralische versteht sich von selbst, uma pressuposição sob o domínio da qual a geração a que pertenço foi criada. Essa pressuposição incluía uma nítida distinção entre a legalidade e a moralidade, e embora existisse um consenso vago e inarticulado de que em geral a lei do país grafa o que a lei moral exige, não havia muita dúvida de que em caso de conflito a lei moral era a mais elevada e tinha de ser obedecida primeiro. Essa afirmação só podia fazer sentido se aceitássemos como naturais todos aqueles fenômenos que geralmente temos em mente quando falamos da consciência humana. Qualquer que seja a fonte do conhecimento moral – mandamentos divinos ou razão humana –, todo homem mentalmente são, supunha-se, carrega dentro de si mesmo uma voz que lhe diz o que é certo e o que é errado, e isso independentemente da lei do país e independentemente das vozes daqueles que pertencem à mesma comunidade. Kant mencionou certa vez que poderia haver uma dificuldade: “Depois de ter passado a vida entre patifes sem conhecer outras pessoas”, disse, “ninguém poderia ter um conceito de virtude.” (”Den Begriff der Tugend wurde kein Mensch haben, wenn er immer unterlauter Spitzbuben wäre.”) Mas com isso ele não queria dizer mais do que o fato de a mente humana se guiar por exemplos nessas questões. Nem por um momento teria duvidado de que, confrontada com o exemplo da virtude, a razão humana sabe o que é certo e que o seu oposto é errado. Sem dúvida, Kant acreditava ter enunciado a fórmula que a mente humana aplica sempre que tem de distinguir o certo do errado. Ele chamava essa fórmula de o imperativo categórico; mas não tinha a ilusão de ter feito uma descoberta na filosofia moral, o que teria implicado que, antes dele, ninguém sabia o que é certo e errado – obviamente uma noção absurda. Ele compara a sua fórmula (sobre a qual teremos mais a dizer nas próximas aulas) a uma “bússola”, com a qual os homens acharão fácil “distinguir o que é bom, o que é mau [… ] Sem ensinar absolutamente nada de novo à razão comum, precisamos apenas atrair a sua atenção para o seu próprio princípio, à maneira de Sócrates , mostrando assim que não se precisa nem da ciência nem da filosofia para saber o que se deve fazer a fim de ser honesto e bom […] [Na verdade,] o conhecimento do que todo mundo é obrigado a fazer, e assim também conhecer, [está] ao alcance de todos, até do homem mais comum”. E se alguém tivesse perguntado a Kant onde está localizado esse conhecimento ao alcance de todos, ele teria respondido: na estrutura racional da mente humana, enquanto outros, é claro, tinham localizado o mesmo conhecimento no coração humano. O que Kant não teria aceitado como natural é que o homem também vai agir segundo o seu julgamento. O homem não é apenas um ser racional, ele também pertence ao mundo dos sentidos, que o tentará a se render às suas inclinações em vez de seguir a razão ou o coração. Por isso, a conduta moral não é natural, mas o conhecimento moral, o conhecimento do certo e do errado, é. Como as inclinações e a tentação estão arraigadas na natureza humana, embora não na razão humana, Kant chamava o fato de o homem ser tentado a fazer o mal por seguir as suas inclinações de o “mal radical”. Nem ele nem qualquer outro filósofo moral realmente acreditava que o homem pudesse querer o mal pelo mal; todas as transgressões são explicadas por Kant como exceções que o homem é tentado a fazer perante uma lei que, do contrário, ele reconhece como sendo válida – assim o ladrão reconhece as leis da propriedade, até deseja ser protegido por elas, e só faz uma exceção temporária a essas leis para seu próprio benefício.
Ver online : Condição Humana e Vida do Espírito, índice de excertos