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Valor do método descritivo em fenomenologia
segunda-feira 7 de abril de 2025, por
A. de Waelhens , La Philosophie de Martin Heidegger, Louvain (Inst. Sup. de PhiL), 1942, nas páginas indicadas no texto.
Pergunta-se como uma filosofia que deseja praticar um método descritivo adquire o direito de decidir, antes de qualquer descrição, que o fundamento dos fenômenos permanece, à primeira vista, geralmente oculto. Da mesma forma, não se vê como se justifica, do ponto de vista fenomenológico puro, a distinção entre o que é fundamental e o que não é. Qual é o critério — descritivo — dessa distinção? Admitindo que exista, como é possível referir-se a ele antes de qualquer análise fenomenológica?
Tais distinções — registremos esse fato — pertencem necessariamente a uma filosofia já constituída. E isso tende a restringir consideravelmente o alcance real do método. Além disso, teremos ocasião de mostrar que o próprio Heidegger — ao contrário de Husserl — é mais do que cético quanto à onipotência da descrição pura. Já se evidencia — e é isso que devemos reter por ora — que a fenomenologia não é a fonte de toda filosofia, mas, mais modestamente, o instrumento de uma doutrina preexistente, ainda que implícita.
É óbvio que Husserl recusaria absolutamente tal concessão. Todo o seu esforço se inspira em uma convicção exatamente oposta. Para ele, a fenomenologia é uma ciência autônoma que dispensa qualquer apoio ou empréstimo, capaz por si só de resolver ou preparar a solução de todos os problemas filosóficos. Se existe para Husserl uma metafísica além da fenomenologia (tese que nele não é constante), essa metafísica é, em relação a ela, uma disciplina de conclusões. A ontologia, portanto, deve à metodologia fenomenológica sua matéria e seus problemas, na medida em que subsistem; em contrapartida, a fenomenologia se elabora independentemente de qualquer referência à metafísica. Acrescente-se — traço secundário, mas não acessório — que a fenomenologia husserliana está imersa em uma atmosfera de racionalismo radical, contra o qual Heidegger reage com violência. O leitor observará, é verdade, que esse racionalismo husserliano se assemelha a uma doutrina metafísica. Não ousaríamos recusar a objeção, mas Husserl certamente não tem consciência disso e defende — eis para nós o essencial — com a máxima energia o princípio da autonomia da fenomenologia. Pode-se perguntar quem tem razão, Heidegger ou Husserl ; o fato é que este último nunca quis ceder aos argumentos invocados por seu "discípulo" e neles viu uma grave violação à integridade da doutrina (p. 18-19).
Os temas existenciais que sustentam a filosofia de Heidegger são fornecidos, em princípio, pela descrição das situações existenciais do homem. Tal é a pretensão geral da fenomenologia. O que se mostra (das Sichzeigende) é o objeto das investigações fenomenológicas, ainda que o mais essencial nem sempre seja o que se revela à primeira vista: a fenomenologia bem compreendida deve então buscar descobri-lo e desvelá-lo…
Todos os autores notaram que essas descrições supostamente neutras estão contaminadas por pressupostos filosóficos ou mesmo morais. O culpado, aliás, é fácil de confessar. Não é possível, pensa Heidegger, descrever a existência concreta sem dispor previamente de uma concepção da existência. O problema da descrição se apresenta então sob uma luz muito diferente: não se trata mais de descrever situações existenciais para aprender sobre a existência, mas apenas para testar a concepção prévia.
Isso já diminui muito o prestígio e a importância da descrição, mas ainda não é o bastante, e devemos dar mais um passo. Precisamos reconhecer que uma descrição da existência sempre e necessariamente confirma a ideia que dela se tem. É um teste que sempre dá certo, de modo que não prova mais nada. A concepção que se tem do ser e da existência é, de fato, um elemento dessa própria existência: o que caracteriza o Dasein é que ele compreende o ser e a si mesmo. Sua compreensão do ser, integrando-se à sua existência, fará com que ele não possa deixar de ver a existência como a concebe. A descrição se vê assim — eis a conclusão do crítico — reduzida a um papel de mera ilustração. A partir daí, é preciso admitir — e Heidegger admite — que a filosofia, existencial e existencialista, gira em um círculo que pertence à sua natureza (p. 319-320).