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Intuição eidética e antropologia

segunda-feira 7 de abril de 2025, por Cardoso de Castro

E. Husserl  , Idées directrices pour une Phénoménologie, I. I. § 3, Trad. P. Ricœur   (Gallimard, 1950), p. 19-24.

Primeiramente, a palavra "essência" designava aquilo que, no íntimo mais profundo de um indivíduo, se apresenta como seu "Quid" (sein Was). Ora, esse Quid pode sempre ser "posto em ideia". A intuição empírica (erfahrende) ou intuição do indivíduo pode ser convertida em visão da essência (Wesens-Schauung) [em ideação] – essa possibilidade devendo ela mesma ser entendida não como possibilidade empírica, mas como possibilidade no plano das essências. O termo da visão é então a essência pura correspondente ou Eidos, seja a categoria de grau superior ou uma forma mais particular, descendo até o concreto último.

Essa visão que dá a essência, e eventualmente a dá de forma originária, pode ser adequada, como aquela que podemos facilmente formar da essência do som; mas também pode ser mais ou menos imperfeita, "inadequada", sem que essa diferença de adequação dependa apenas do grau maior ou menor de clareza e distinção. A especificação própria de certas categorias de essências implica que as essências dessa ordem só podem ser dadas "sob um aspecto" (einseitig), "sob vários aspectos" sucessivamente, mas nunca "sob todos os seus aspectos" (allseitig); correlativamente, só se pode ter experiência e representação das ramificações individuais correspondentes a essas essências em intuições empíricas inadequadas e "unilaterais". Essa é a regra para toda essência relacionada à ordem das coisas (auf Dingliches), levando em conta todos os componentes eidéticos da extensão ou da materialidade; é mesmo a regra, ao examinar mais de perto (como as análises posteriores mostrarão com evidência), para todas as realidades naturais (Realitäten) em geral. Nesse caso, as expressões vagas de aspecto único e múltiplo receberão significações determinadas e poder-se-á distinguir diferentes tipos de inadequação.

Basta indicar provisoriamente que já a forma espacial da coisa física não pode, em princípio, ser dada senão em simples esboços (Abschattungen) unilaterais; e mesmo que, abstraindo dessa inadequação que persiste por mais que avance o fluxo contínuo das intuições e apesar de todo ganho, cada propriedade física nos lança no infinito (in Unendlichkeiten) da experiência; e o diverso da experiência (Erfahrungsmanigfaltigkeit), por mais vasto que seja, ainda deixa lugar para determinações novas e mais precisas da coisa; e assim ao infinito. Qualquer que seja o tipo a que pertença a intuição do indivíduo, adequada ou não, ela pode se converter em visão de essência; essa visão mesma, adequada ou inadequada de forma correspondente, tem o caráter de um ato doador. Em consequência:

A essência (Eidos) é um objeto (Gegenstand) de um novo tipo. Assim como na intuição do indivíduo ou intuição empírica o dado é um objeto individual, do mesmo modo o dado da intuição eidética é uma essência pura.

Não se trata de uma simples analogia exterior, mas de uma comunidade radical. A intuição das essências também é uma intuição, e o objeto eidético também é um objeto. Essa generalização dos conceitos solidários e correlatos de "intuição" e "objeto" não é uma ideia arbitrária – é imperiosamente exigida pela natureza das coisas. A intuição empírica, especialmente a experiência, é a consciência de um objeto individual; por seu caráter intuitivo, "ela faz o objeto aceder ao estatuto de dado" (bringt sie ihn zur Gegebenheit); por seu caráter de percepção, ela o torna um dado originário; por ela, temos consciência de apreender o objeto "de forma originária", em sua ipsidade "corpórea" ("leibhaftigen" Selbstheit). Do mesmo modo, a intuição da essência é a consciência de algo, de um "objeto", de algo para o qual se dirige o olhar da intuição e que é "dado em pessoa" (Selbstgegeben) nessa intuição; mas esse objeto pode ainda ser "representado" (vorgestellt) em outros atos, pensado de forma vaga ou distinta, tomado como sujeito de juízos predicativos verdadeiros ou falsos – precisamente como qualquer "objeto" (Gegenstand), no sentido necessariamente amplo que essa palavra tem na lógica formal. Tudo o que pode ser objeto, ou, para falar como um lógico, "todo sujeito possível de juízos predicativos verdadeiros", tem precisamente uma maneira própria de encontrar, antes de todo pensamento predicativo, o olhar da representação, da intuição, que eventualmente o atinge em sua "ipsidade corpórea", o olhar que o "apreende" (erfassenden).

A visão da essência é, portanto, uma intuição; e se é uma visão no sentido forte e não uma simples e talvez vaga presentificação (Vergegenwärtigung), é uma intuição doadora originária que apreende a essência em sua ipsidade "corpórea". Mas, por outro lado, a intuição é, em princípio, de um tipo original e novo, se a confrontarmos com os tipos de intuições que têm como correlatos objetividades submetidas a outras categorias, entre outras com a intuição no sentido estrito habitual, isto é, com a intuição do indivíduo.

Sem dúvida, a intuição da essência tem isso de particular: supõe em sua base uma parte importante de intuição voltada para o indivíduo, a saber, que um indivíduo apareça, que se tenha dele uma visão (Sichtigsein); mas esse indivíduo não é apreendido nem de modo algum posto como realidade; em consequência, é certo que não há intuição da essência se o olhar não tiver a livre possibilidade de se voltar para um indivíduo "correspondente", e se não se puder formar, para ilustrá-la, uma consciência de exemplo; do mesmo modo, reciprocamente, não há intuição do indivíduo sem que se possa pôr em ação livremente a ideação e, ao fazê-lo, dirigir o olhar para a essência correspondente que a visão do indivíduo ilustra com um exemplo; mas isso não impede que os dois tipos de intuições sejam, em princípio, diferentes; e nas proposições como as que acabam de ser enunciadas, são apenas suas relações eidéticas mútuas que se declaram. A essas diferenças eidéticas entre as intuições correspondem as relações eidéticas mútuas entre a "Existência" (Existenz) [tomada aqui manifestamente no sentido da existência do indivíduo] (individuell Daseiendem) e a "Essência" (Essenz), entre o Fato e o Eidos. Se prosseguirmos nesse gênero de conexões, apreendemos com evidência (einsichtig) as essências conceituais que pertencem a essas expressões e lhes ficam doravante solidamente ligadas, e assim podemos eliminar definitiva e radicalmente todos os pensamentos, em parte místicos, que aderem sobretudo aos conceitos de Eidos (de Ideia) ou de Essência.