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Forma e matéria (Araújo de Oliveira)
quarta-feira 23 de abril de 2025, por
(MAO1996)
O Ocidente entende linguagem a partir do dualismo originário [1]. Então, o elemento decisivo do ente concreto é a forma, por meio da qual ele recebe o ser. É esse ser que é o fundamento da unidade, seja ele pensado platonicamente como ideia imutável, seja interpretado aristotelicamente como princípio imanente. É sempre o mesmo esquema fundamental: a forma é o determinante, e a matéria é o determinado. Subjetivamente, o homem é compreendido como inteligência, por meio da qual ele capta as formas das coisas pela abstração a partir da sensibilidade que lhe fornece a matéria. Esse esquema permanece intocado na reviravolta antropocêntrica da filosofia moderna: o que muda é a compreensão da forma, que agora não é mais uma determinação ontológica, mas uma dimensão da subjetividade constituinte do mundo dos objetos. Veja a respeito: K. Prange, “Heidegger und die sprachanalytische Philosophie”, in: Phil. Jahrbuch 79 (1972), pp. 39-56. M. Heidegger, “Aus einem Gespräch von der Sprache. Zwischen einem Japaner und eim Fragenden”, in: Unterwegs zur Sprache, op. cit., pp. 101ss.]] que caracteriza a metafísica ocidental: a linguagem é vista, em última análise, como expressão, isto é, trata-se da efetivação de uma essência ideal (razão, sentido), que ocorre na medida em que a razão humana se utiliza de uma matéria (no caso de um som) e a articula e transforma de tal maneira que ela possa ser veículo de sua manifestação [2]. Linguagem, nessa perspectiva, é exteriorização da razão, do sentido. Algo sensível se faz manifestação, exteriorização, objetivação do inteligível. Ora, o que faz, portanto, o som produzido pelo homem linguagem [202] é que ele é expressão do pensamento, da razão, da consciência. É a espiritualização do som que o torna linguagem humana, essencialmente distinta da linguagem animal. A linguagem é, então, a expressão na vida humana em que o pensamento se exterioriza.
[1] Esse dualismo metafísico se exprime nas categorias de forma e matéria. Tomás de Aquino articulou, magistralmente, essa perspectiva no seu De ente et essentia, no parágrafo 5, dizendo: “Forma dat esse materiae”. O real é, aqui, pensado no horizonte da determinação: a forma é o elemento ativo, determinante, enquanto a matéria é o elemento passivo, determinado. E por meio dessa distinção que se resolve o problema da unidade do múltiplo: não há matéria que não seja determinada pela forma, daí o primado da forma.
[2] Essa perspectiva se expõe com toda clareza num artigo em que J. B. Lötz tenta, a partir da escolástica, um diálogo com a filosofia da linguagem de Heidegger: J. B. Lötz, “Sprache und Denken. Zur Phänomenologie und Metaphysik der Sprache”, in: Sein und Existenz. Kritische Studien in systematischer Absicht, Friburgo 1965, pp. 135-137, aqui sobretudo pp. 137ss. Cf. M. Heidegger, “Die Sprache”, in: Unterwegs, op. cit., p. 14.