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Butler (2022) – imagem do mundo
terça-feira 11 de março de 2025, por
O mundo que o vírus revela ou faz manifestar com maior clareza – e que permeia de modo desigual – não pode ser comunicado, adequadamente, por mapas ou gravuras, pois se trata de algo que só se mostra no decorrer da circulação viral e seus efeitos. É claro, podem nos mostrar imagens gráficas do vírus com suas espículas e coroa azulada, e, quando essas representações inundam nossas telas, substituem, imóveis, uma condição viral que não podem representar de modo adequado. Elas estão mais para uma logomarca do vírus, análoga a um comercial da Disney. As imagens funcionam como formas gráficas abreviadas que removem o vírus do tempo veloz e invisível de sua ação e circulação, borrifando cores e refinando suas espículas para mostrar uma coroa, dando força a um sentido grosseiro de soberania. Ainda que, sem qualquer sombra de dúvida, os mapas e gráficos cotidianos que visam produzir uma imagem do mundo viral sejam úteis, eles fornecem um entendimento distorcido do caráter pandêmico do vírus em virtude de sua forma pictórica. Martin Heidegger (1977, p. 129) afirmava que a “visão de mundo” [Weltbild] não é uma imagem do mundo, mas o mundo concebido e capturado como imagem. Ele questionou se o mundo poderia ou deveria ser concebido dessa forma e o que significava sua substituição por imagens. E destacou que o sujeito que se encontra diante de uma imagem assim não apenas tenta capturar essa versão visual do mundo em sua totalidade, mas também se encontra isento do mundo que busca conhecer (Heidegger, 1977, p. 132-134). Às vezes, encontramos essa presunção em operação na mídia, o que nos consola pelo pressuposto de que não somos parte da imagem que vemos. Mas, ainda assim, o esforço de capturar o vírus em termos gráficos ou pictóricos não assegura a imunidade do sujeito da percepção. Estamos na imagem que vemos; e a distância que se estabelece no espetáculo nega, ou ao menos suspende, o que significa nossa implicação no fenômeno que tentamos conhecer.
(BUTLER , J. Que mundo é este?: uma fenomenologia pandêmica. Carla Rodrigues et al. Belo Horizonte, MG: Autêntica Editora, 2022)