Página inicial > Fenomenologia > Butler (2017) – ser-com (Mitsein)
Butler (2017) – ser-com (Mitsein)
terça-feira 11 de março de 2025, por
Cometeríamos um erro se imaginássemos um grupo de indivíduos se reunindo como uma coleção de atores individuais. Esses indivíduos só serão humanos se e quando a ação coletiva e conjunta se tornar possível. Na verdade, ser um humano é uma função, uma característica do agir em termos de igualdade com outros seres humanos. Aqui podemos ouvir os ecos do mitsein de Heidegger, mas também a fraca ressonância de uma coletividade de esquerda da qual Scholem desconfiava na caricatura que fez da política de Arendt . Se ser humano é estar numa relação de igualdade com os outros, então ninguém pode se tornar humano fora das relações de igualdade. Arendt não nos pede para considerarmos que o “ser humano” é uma função ou um efeito de seu igualitarismo? De fato, se não existe igualdade, ninguém é humano. Se a igualdade determina o humano, então nenhum humano pode ser humano sozinho, mas apenas com os outros, e apenas sob condições que sustentem uma pluralidade social na igualdade.
Nota: Por fim, quero propor que parte do que Arendt faz nesse ensaio é definir esses direitos com segurança. Em outras palavras, ela está fornecendo, executando a retórica da definição de uma maneira assegurada. Embora não seja teórica do direito natural, Arendt define, e até estipula, as condições da vida humana que precedem e precondicionam qualquer forma específica de governo e direito. Ela não baseia essa visão em princípios prévios, mas a elabora no contexto de uma interpelação ao seu público. Desse modo, sua retórica busca representar a relação social que ela descreve. Além disso, ao definir essas condições, ela retira da escrita o “eu”, a primeira pessoa. Arendt não escreve esse texto como um “eu”, alguém com uma perspectiva individual. Quando aparece um pronome, é um “nós”, mas quem é esse “nós”? Como quem e para quem ela fala? Quando diz que “não nascemos iguais; tornamo-nos iguais como membros de um grupo por força da nossa decisão de nos garantirmos reciprocamente direitos iguais” (OT, p. 335), ela representa um “nós” ou invoca um “nós”?
(BUTLER , J. Caminhos divergentes: judaicidade e crítica do sionismo. São Paulo: Boitempo, 2017)