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Butler (2017) – coabitar a Terra ou o mundo
terça-feira 11 de março de 2025, por
A mensagem filosófica e política de sua réplica direcionada a Eichmann (e aos juízes) é a de que devemos ter clareza de que ninguém tem o direito de escolher com quem coabitar a Terra ou o mundo (Arendt mistura o sentido dessa distinção heideggeriana o tempo todo, sugerindo que não existe Terra sem seus habitantes) [1]. A coabitação com outros que não escolhemos é, de fato, uma característica permanente da condição humana. Exercer o direito de decidir com quem coabitar a Terra é recorrer a uma prerrogativa genocida; aparentemente, a pena de morte é justificada somente para quem implementou o genocídio. Não recebemos nessas páginas algo que explique por que essa pena é a apropriada, em vez de alguma outra forma de punição, embora saibamos que a propriedade da pena de morte foi discutida na época (Buber e outros eram contra) [2]
(BUTLER , J. Caminhos divergentes: judaicidade e crítica do sionismo. São Paulo: Boitempo, 2017)
[1] Arendt parece recorrer implicitamente à distinção heideggeriana entre Terra e mundo presente em Martin Heidegger, Poetry, Language, Thought (Nova York, Harper and Row, 1971). Em “Building, Dwelling, Thinking”, por exemplo, Heidegger afirma que “ser um humano significa estar na Terra como mortal”. Mas estar “na Terra” é, nos termos dele, habitar (p. 147). Já em “The Origin of the Work of Art”, ele deixa claro que mundo e Terra são diferentes: a Terra, em sua dadidade, é “exposta” ou parcialmente desvelada, mas o mundo é “instituído” e pertence à prática da construção ou da ação humana (p. 48-9). Embora Heidegger argumente que Terra e mundo são oposições que travam uma forma de “combate” na obra de arte, Arendt claramente entende que a prática humana de criar o mundo deriva, como necessidade política, do caráter dado dos humanos, mortais, que coabitam a Terra.
[2] Ver discussão sobre o assunto em Avraham Burg, The Holocaust Is Over (Nova York, Palgrave MacMillan, 2008).