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Alexandre Grácio (1990) – ofício de pensar
quarta-feira 12 de março de 2025, por
(CF2)
O ofício de pensar exige rigor e penetração. Mas exige também, antes de tudo, a docilidade do pensamento àquilo que merece ser pensado. A conjunção destas exigências não é fácil de compreender e raramente se experiencia.
A fragilidade do pensamento perante o simples, a sua exposição e entrega paciente aos ventos da coisa que nele se torna solitária e lenta, todo o caminho para a palavra que no limite da sua força nomeadora se mescla com a impotência de dizer o silêncio, este jogo sempre incompleto do dar e do receber no qual se joga o risco de um destino, a construção de uma habitação, a aventura e desafio de um futuro jamais antecipável mas ao qual nos cumpre, ainda assim, corresponder — a isso chama Heidegger “experiência do pensamento”.
À experiência do pensamento não se acede por estudo e talvez este possa mesmo chegar a ser um obstáculo para aquela. A experiência do pensamento não é a experiência do saber mas uma disposição à qual o pensar cede e se entrega, na qual solitariamente se acha envolvido e se dá.
Mas esta abertura é incomensurável: ela abandona toda a grandeza a uma saudável indigência, faz respirar a ignorância, sentir os odores que dela se desprendem e nos entregam à dispersão do atordoamento.
Há, é certo, a construção e habituámo-nos a compreender e a falar apenas daquilo que construimos ou queremos construir. Pela construção, furtamo-nos à solidão e à indigência, tornamo-nos vítimas de uma responsabilidade que se não chama mais im-potência mas poder, fazemos do poder a chave da construção do mundo.
E contudo, um tal pensamento não constroí para habitar: constroí porque (que medo?) do expôr-se se refugia no controle, do experienciar, na previsão, da aventura, na segurança.
Hermética e autisticamente o pensamento pensa-se, constrói o seu próprio exterior e determina a economia do seu poder. Toda a entrega se tornou expectativa, toda a surpresa calculada. E mesmo o susto será sempre a (af)lição passada de um futuro perfeito.
Perdeu-se a memória do insondável.
Neste autismo se desvanece a gratuidade, e o pensamento, respirando em ar viciado, desaprende o namoro.