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Psicologia e filosofia da religião em William James (Wahl)
terça-feira 17 de dezembro de 2024, por
Wahl1932
Sua filosofia, dissemos, deveria ser tanto uma filosofia da experiência quanto uma filosofia da religião. A intuição metafísica, pergunta a Bergson , é idêntica à intuição mística? Quanto a ele, tenderá a identificar os dois tipos de intuição. Não seria esse o único modo de encontrar um equivalente, e poder-se-ia acrescentar, mais que um equivalente, de uma teoria dos conceitos?
Mas é preciso precisar o modo como entendia então a ideia de religião e suas relações com a filosofia. Em primeiro lugar, a ideia de experiência religiosa é por ele entendida de modo muito amplo e se aplica a qualquer momento da vida que permita sentir de modo mais íntimo as coisas espirituais. Além disso, é preciso atentar para o fato de que a ideia religiosa não está ligada neste momento para James, como esteve outrora, à questão do pluralismo e do monismo, ou à ideia do subliminar. O problema religioso deve ser tratado em si mesmo; e no que concerne particularmente o sistema de Myers, embora reconheça como antes o que esse sistema tem de novo e de genial, duvida cada vez mais de seu valor objetivo; pergunta-se se as colunas são suficientemente numerosas e sólidas para sustentar a amplitude do edifício. As longas sessões dedicadas à senhora Piper, os esforços muitas vezes infrutíferos do senhor Hodgson, a desconfiança despertada pelo que lhe fazem saber sobre Eusapia Paladino não fazem senão confirmá-lo em suas dúvidas, e só mais tarde, em 1908, no momento dos estudos sobre as cross-correspondences, e em 1909, após o que chama de reabilitação de Eusapia Paladino e o aparecimento de um médium polonês de grande valor, é que suas esperanças se reerguerão. "Parece enfim, escreve nesse momento a Flournoy, que algo de positivo e definitivo esteja à vista". Mas mesmo então, não faz novos estudos dessas questões e continua, parece, a não admitir, como em 1907, a ideia espírita propriamente dita, tal como a expunham R. Hodgson e Hyslop. Há um conhecimento supra-normal, mas não consegue explicá-lo; e talvez para fazê-lo, seja preciso, pelo menos em certos casos, considerar múltiplos fatores, muito diferentes uns dos outros. Em todo caso, embora volte a se interessar por isso, preocupa-se em não misturar esses assuntos com as coisas da religião como outrora julgara poder fazer. Por outro lado, não se trata de modo algum, neste momento mais do que antes, de uma religião positiva. Não tem crenças ortodoxas; pensa que todos os dogmas, "todas as teologias e todos os eclesiasticismos" sejam excrescências, que as experiências religiosas escapem ao dogma. A divindade cristã, assim como o Absoluto hegeliano, não constituem senão uma interpretação de uma experiência, que só ela é real. Critica a ideia da reversibilidade dos méritos; não aceita a ideia de uma providência universal. A Bíblia lhe parece um livro "demasiado humano" que constitui por si mesmo um argumento decisivo contra a teologia ortodoxa. Chega mesmo a dizer: "O cristianismo me é agora tão estranho que se as ideias cristãs estão misturadas à expressão de uma experiência mística, preciso fazer um esforço para abstraí-las dela, antes de poder prestar-lhes atenção". Quanto à "prática", não poderia submeter-se a ela mais do que aceita o dogma: "Não me é possível rezar. O sentimento que tenho quando rezo é um sentimento de estultícia e de artificialidade". Sonha com uma época em que se tenha conseguido libertar, de todas as formas particulares e de todas as doutrinas concretas, o essencial abstrato da crença. Por um traço curioso de seu espírito, quer uma fé "abstrata" de toda condição, quer a ideia geral da fé e busca, para fundamentar essa fé, uma definição do "espiritual" que parecerá provavelmente muito vaga.
A religião lhe aparece essencialmente como uma hipótese. "Por que não poderia ser que estamos no universo como nossos cães e gatos estão na sala onde estão nossos livros?". De ambos os lados, do lado dos homens religiosos e do lado dos homens antirreligiosos, trata-se de uma vontade de crer. Admite perfeitamente que outros creiam na não existência de Deus. Mas por que não deveriam mostrar um interesse pleno de tolerância por aquilo em que eu creio? Tanto mais que a religião parece uma hipótese legítima; os cientistas, os naturalistas e os físicos que Strong parece invocar na crítica que faz da religião são uma autoridade bem pobre quando se trata do universo em seu conjunto. Talvez James nunca tenha tido uma experiência religiosa, mas sabe que essas experiências existem, sabe também que a teologia ortodoxa contém elementos que são verdadeiros de modo permanente. É porque não tem em primeiro lugar, segundo suas expressões, aquela superstição do normal e do saudável que tinha um Emerson, por exemplo. Emerson pertence à tipologia de homens "nascidos uma só vez". O lado mórbido da vida humana não existe para ele, enquanto para James a pura e simples saúde considerada em si mesma é, entre os atributos do homem, "o mais filisteu e o menos importante", e a experiência normal não é senão uma pequena parte da experiência real. "Os outros tipos de consciência testemunham um universo de experiências muito mais vasto do que aquele que nossa crença escolhe e do qual acentua as partes que melhor satisfazem nossas necessidades". Há homens que têm a sensação extremamente viva dessas realidades diferentes da realidade normal; e quanto a ele, sente que há algo profundamente saudável, apesar das aparências, nessa atitude com a qual se chega a descobrir a verdade mesma nas crenças mórbidas. A leitura de Fechner não fará senão fortificar essas ideias; porque, acima de nós, ao nosso redor, não poderiam haver outras consciências além das nossas, com as quais certos homens entrariam em contato?
Dir-se-á que, nos exemplos que citou, sempre recorreu a casos extremos? Parece que esses casos extremos nos permitem penetrar mais profundamente nos segredos da vida religiosa. As pessoas do meio-termo, por mais firmemente que se atenham ao justo meio, dão um valor tão grande à religião porque a sentem em continuidade com um ideal mais intenso. "Mas há muito tempo estou ciente de que sobre essa questão deve ser dito algo que nem minhas críticas, nem eu mesmo conseguimos dizer".
Em segundo lugar, é preciso ver bem que a crença em Deus é uma necessidade. Não há em nós, ao lado das necessidades que encontram sua satisfação na experiência normal, outras exigências? Quando se pergunta a James por que crê em Deus, ele não invocará raciocínios nem provas experimentais: "É porque tenho tanta necessidade dele que ele deve existir". Suas respostas sobre o modo como se deve conceber Deus começam com: he must. "Deve agir". "Deve reagir de algum modo. Deve conhecer de algum modo". – Embora não possa "servir-se" da ideia de Deus de um modo muito definido, todavia James crê; e pensa que de um modo ou de outro, embora não possa determinar exatamente o modo como age essa crença, "faria uma grande diferença" no conjunto de suas ideias o fato de não crer em Deus.
Em terceiro lugar, a questão da crença, como James dizia em seu Will to Believe – que teria feito melhor, diz, em chamar Right to Believe – é uma questão totalmente particular, precisamente, poder-se-ia dizer, porque é a questão mais geral. Em todos os casos, a verificação das crenças não poderia ter lugar senão levando em conta a experiência inteira da espécie. Ora, essa experiência da espécie deve incluir, em meio a seus dados, as experiências dos indivíduos e consequentemente a própria atitude de crença. Para bem compreender sua tese do Will to Believe, é preciso ver contra qual inimigo ele queria lutar; e não é talvez assim, diz, que se deve fazer sempre? Uma tese não é sustentada contra algo ou alguém? Ora, o que havia no fundo da consciência de James quando escrevia o Will to Believe era a aversão pela aridez mental, o horror do pretenso saber abstrato, que aniquilaria todas as experiências humanas. Seu bicho-papão era e é ainda o ressecamento do espírito. A verdadeira espiritualidade se caracteriza não apenas pelo fato de se ser sensível aos ideais, mas por uma certa liberdade de imaginação, por uma certa dose de fantasia, que vai em direção às coisas do outro mundo: essa fantasia de espiritualidade que foi a de seu pai, quando foi atraído por Swedenborg, a de Myers, a de Fechner. Aliás, é preciso notar que cercou de múltiplas precauções esse direito de crer. O essencial é compreender bem o espírito de tolerância que requeria. A fé é uma função que pode conduzir e que provavelmente conduz a um mundo mais vasto.
Sua concepção da filosofia permitia a James defender contra os sistemas as experiências religiosas, ou seja, toda sorte de coisas, impressões, impulsos, de que os homens têm uma sensação privada e imediata. James não pensa que possa haver um acordo formulável sobre o que há de mais profundo em nós; pois o que há de mais profundo é absolutamente pessoal. E essas experiências individuais que são a vida mesma da religião constituem a função mais importante da humanidade. Essas experiências finitas são mais duráveis que os sistemas que se lhes opõem, ou os sistemas muitas vezes absurdos nos quais se traduzem. "Elas não têm em sentido estrito uma mensagem intelectual de que seriam portadoras; pertencem a uma região mais profunda, mais vital e mais prática do que aquela que habita o intelecto". Por isso não podem ser destruídas por meio de argumentos.
Há todo um seguimento de testemunhos, toda uma tradição religiosa tão longa, que James se sente incapaz de deixar de lado; diante das pessoas que têm tais experiências religiosas, a reação do espírito de James é feita de admiração e como de uma espécie de inveja. Uma tal experiência seria para ele uma ajuda tão preciosa; haveria uma diferença tão grande de intensidade entre o que experimentaria então e o que experimenta agora.
Em todo caso, encontra em si algo de real que reage diante de todas as "experiências". Se não sente a presença de Deus, tem ao menos nele um "germe de misticismo" suficiente para reconhecer de onde vem essa voz que fala aos místicos. Nossa inteligência racional não toca senão uma porção da realidade. A religião é para ele uma afirmação de existência; e afirma a existência de um Deus, embora esse Deus não lhe apareça senão vagamente. Deus é para ele, antes de tudo, uma "realidade social": é semelhante a alguém a quem James apelaria quando as coisas vão mal, quando o que crê verdadeiro é dado por todos como falso. Deus dá forças e consola. Deus aparece como uma combinação de idealidade e de eficácia, de ação definitiva. – Deus, pergunta-lhe Pratt no questionário que lhe dirige, é semelhante, apesar das inevitáveis diferenças, a um amigo daqui de baixo? "É vagamente real, responde James, mas não como um amigo".
O que James pode dizer, são portanto somente, como indicamos, suas exigências religiosas: "Deus deve conhecer os eventos e deve de algum modo reagir diante deles. É um aliado poderoso de meus ideais. É, se se quiser, a atitude do universo em relação a mim, mas com a condição de que essa atitude implique a consciência".
Aliás, Deus não é a única realidade espiritual a que a crença possa ser dirigida. A religião significa para James o universo de relações espirituais que cercam as relações práticas daqui de baixo; e não são somente relações de valor, mas atividades.
Quanto à imortalidade pessoal, não crê nela com muita força; todavia a força de sua crença aumenta à medida que avança em idade. "Porque, diz, é justamente agora que me sinto feito para viver".
Procura em 1907 precisar novamente suas ideias religiosas. Elas não parecem sem analogia à primeira vista com algumas daquelas que Wells deveria desenvolver. Há o Deus das coisas como são; faz parte de um sistema pluralista dos seres; é responsável somente pelos fatos que seu poder e seu conhecimento lhe permitem ter realizado; pois não é onisciente e onipotente. Em Deus mesmo há, consequentemente, pensamentos que Deus não pode realizar; é pois, no que concerne as ideias que não pode tornar atuais, para servir-nos de uma expressão que James não emprega, a categoria do ideal. Vê-se que não é preciso separar completamente o Deus real e o Deus ideal; com efeito, por um lado a experiência religiosa é precisamente o comércio com algo ideal que se faz sentir como ao mesmo tempo real; por outro lado, se consideramos a ideia de Deus em si mesma, é daquilo que há de ideal em Deus que saiu sua realidade. E contra Strong, que quereria conservar em sua teoria somente um Deus ideal, James emprega uma espécie de argumento ontológico, singularmente mitigado: "Se é ideal, por que (exceto se se queira admitir somente uma concepção epifenomenista) não pode ter conseguido ao fim, no dia em que estamos, a fazer-se em parte real?". Nessa curiosa prova ontológica, a perfeição não atinge, senão com o tempo, uma realidade apenas parcial. O que explica a ideia de James, é sua teoria realista do valor com a qual se opunha a seus colegas de Harvard; o valor, os ideais não bastam a si mesmos, é preciso que sejam realizados para que estejamos satisfeitos. Um ideal é algo que, realizando-se, deve tender a transformar a realidade. É preciso pois deixar em Deus um resíduo de realidade que é com efeito o germe de sua existência.
"E, conclui James, pergunto-me por que veríeis grandes dificuldades em aceitar esse Deus que sustento, pequena coisa que é para uma parte tão grande uma simples possibilidade ideal".
Mas quer defenda o "naturalismo vulgar", ou que pareça refinar e adelgaçar Deus, até transformá-lo numa pura possibilidade, James mantém sempre, apesar das reclamações de muitos de seus amigos mais queridos, de D. Miller, de Strong, as afirmações essenciais das Varieties of Religious Experience e do Will to Believe.