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Alma e Corpo, coextensivos (Zubiri)
segunda-feira 2 de setembro de 2024, por
Zubiri1982a
Aristóteles pensava que se tratava de uma unidade substancial: a alma, ψυχή, é o ato substancial de uma matéria-prima indeterminada. De modo que todas as propriedades que o homem possui, não só as mais elevadas, mas mesmo as mais básicas, como peso, propriedades químicas, etc., seriam devidas à “alma”. Seria aquele que “anima” o corpo, ou melhor, aquele que faz da matéria-prima um corpo animado. É verdade que há passagens em que Aristóteles parece mitigar esta afirmação; a alma não seria a fonte de todas as propriedades, diríamos hoje as físico-químicas, do corpo, mas seria o que determinaria as suas funções propriamente vitais na matéria. Mas a “matéria organizada” seria sempre pura potencialidade; somente a alma como “ato” deste poder determinaria a vitalidade, a sensibilidade e as funções superiores.
Agora, esta concepção parece dificilmente sustentável para mim. Como alguém poderá se convencer de que a glicose em seu corpo deve suas propriedades químicas ao ato substancial da psique? Mas mesmo na sua forma atenuada, a ideia aristotélica não me parece sustentável. O que se entende, de fato, por animação? Entende-se que o organismo possui funções biológicas porque são conferidas pelo psiquismo; isso me parece inconsistente com os fatos. O plasma germinativo é um sistema molecular; sua vida consiste apenas na estrutura unitária que carrega consigo o que chamamos de “combinação funcional”. A alma não está organizando o plasma germinativo. A verdade parece antes o contrário: é o plasma germinal que modula os estados e tendências mais profundos e elementares da psique. A “vida vegetativa” não consiste nas funções vegetativas que a alma confere à matéria, mas sim nas características psíquicas elementares, puramente “vitais”, por assim dizer, que o plasma determina na psique. Além disso: o mesmo acontece com funções sensíveis. É uma diferenciação biológica que separa diferencialmente a função do sentimento. E essa diferenciação é o que determina uma psique sensível no psiquismo. Os chamados poderes sensitivos nada mais são do que este tipo de determinações psíquicas devidas a meras diferenciações biológicas. Desde o primeiro momento de sua concepção, o plasma germinativo carrega “dentro de si” toda a alma. E na sua primeira fase genética, é o plasma que determina a psique. Somente em fases muito posteriores é que a psique “superior” pode determinar o organismo. A função de formalização intervém nesse momento.
Entre “alma” e “organismo” não há “relação” de ato e poder, mas sim uma “relação” de co-determinação mútua na unidade de coerência primária, ou seja, há unidade de estrutura, não unidade de substância. Por sua virtude, esta unidade não confere novas propriedades a nenhuma das substâncias que nela entram. O homem é composto de uma substância psíquica e de milhões de substâncias materiais. Mas todos eles constituem uma única unidade estrutural. Cada substância tem propriedades próprias, mas a estrutura confere-lhes uma substantividade única, em virtude da qual a atividade humana é absolutamente nova.
Em que consiste esta unidade estrutural? Por enquanto, observemos que, ao contrário do que costumam pensar os neurologistas, a psique não é atribuída exclusivamente ao cérebro ou mesmo ao sistema nervoso; não é que no sistema nervoso ocorram fenômenos puramente biofísicos e bioquímicos e que, ao atingir regiões "superiores" desconhecidas do cérebro, surja aquele tipo de apêndice que seria, por exemplo, a percepção. Isso é quimérico. A função do sentimento envolve todas as funções e estruturas bioquímicas e biofísicas do organismo e não está especificamente ligada a nenhuma delas, exceto num sentido “diferencial”. O sistema nervoso não cria a função do sentimento, mas antes o autonomiza e o separa por diferenciação. Consequ(Zubirientemente, a função do sentimento, em seu aspecto psíquico, é coextensiva a todas as estruturas e processos biológicos. Mas vimos que todos os processos superiores envolvem intrinsecamente a função do sentimento e que, por sua vez, às vezes os determinam em grande medida. Daí se segue que “alma” e “corpo” são perfeitamente coextensivos e sua unidade estrutural determina estados estruturalmente psicofísicos ao longo da linha. E então a questão é perguntar: de que forma eles são coextensivamente “um”? A resposta a esta pergunta é eoipso a essência do homem.