Fenomenologia, Existencialismo e Hermenêutica

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Raffoul & Pettigrew (HPP:xiii) – Heidegger e a Filosofia Prática

sexta-feira 19 de fevereiro de 2021

Tradução

Heidegger muitas vezes foi censurado por sua alegada negligência de questões práticas, especificamente sua “incapacidade” de propor ou articular uma ética ou uma política. As razões apresentadas para apoiar tal afirmação variam. Eles incluem, por exemplo, seu suposto privilégio de “o Mesmo” em oposição a um pensamento autêntico de “o Outro”; seu “desprezo” por assuntos ônticos ou concretos devido a algum essencialismo platônico; sua “rejeição” da dimensão intersubjetiva ou coletiva da experiência humana; e por último, mas não menos importante, sua relação problemática com o nazismo. Outros argumentaram que o pensamento de Heidegger sobre o ser sofre de um certo teoreticismo. Quaisquer que sejam as razões apresentadas, o pensamento de Heidegger sobre o Ser, concluiu-se, não pode contribuir para a ética ou a política, ou para a filosofia prática amplamente concebida como um domínio de ação e existência coletiva.

Esta acusação, no entanto, pode, em última análise, repousar sobre um mal-entendido radical: busca-se encontrar em sua obra uma problemática clássica, não a encontra, e conclui disto que Heidegger ignorou a dimensão prática da existência. Por exemplo, onde Heidegger discorda de concepções tradicionais de ética, ou onde ele realmente rejeita a ética como uma disciplina na tradição metafísica, conclui-se que seu pensamento é anético, senão não-ético. Na verdade, porém, sua “rejeição” da tradição da ética é feita em nome de um repensar de uma ética mais “originária” que ele tenta perseguir. É por isso que, em contraste com estas interpretações tradicionais, este livro, Heidegger e a Filosofia Prática, investigará até que ponto o pensamento de Heidegger pode ser lido como um recurso importante e, na verdade, crucial para a filosofia prática e para a possível articulação de um ethos para o nosso tempo. Pois a questão, como nos lembra Françoise Dastur  , não é enquadrar o pensamento de Heidegger sobre o outro, por exemplo, em esquemas preestabelecidos, mas sim abordar e questionar seu pensamento “no que diz respeito à maneira como [ele] encontrou e colocou a questão do outro.” [1] O objetivo de Heidegger e da Filosofia Prática é demonstrar que Heidegger não negligenciou a dimensão prática da existência, mas, em vez disso, transformou radicalmente a maneira como ela deve ser pensada.

Original

Heidegger often has been reproached for his alleged neglect of practical issues, specifically his “inability” to propose or articulate an ethics or a politics. The reasons offered in support of such a claim vary. They include, for example, his supposed privileging of “the Same” as opposed to an authentic thought of “the Other”; his “contempt” for ontic or concrete affairs due to some Platonic essentialism; his “dismissal” of the intersubjective or collective dimension of human experience; and last but not least, his troubled relation to Nazism. Others have argued that Heidegger’s thought of being suffers from a certain theoreticism. Whatever the reasons advanced, Heidegger’s thought of Being, it has been concluded, cannot contribute to ethics or politics, or to practical philosophy broadly conceived as a domain of action and collective existence.

This charge, however, might ultimately rest on a radical misunderstanding: one seeks to find in his work a classical problematic, does not find it, and concludes from this that Heidegger ignored the practical dimension of existence. For instance, where Heidegger takes issue with traditional conceptions of ethics, or where he actually rejects ethics as a discipline in the metaphysical tradition, it is concluded that his thought is an-ethical, if not unethical. In fact, however, his “rejection” of the tradition of ethics is done in the name of a rethinking of a more “originary” ethics that he attempts to pursue. This is why, in contrast to these traditional interpretations, this book, Heidegger and Practical Philosophy, will instead investigate the extent to which Heidegger’s thought can be read as an important and indeed a crucial resource for practical philosophy and for the possible articulation of an ethos for our time. For the issue, as Francoise Dastur   reminds us, is not to enframe Heidegger’s thought of the other, for instance, in preestablished schemas, but rather to approach and question his thought “with respect to the way in which [it] encountered and posed the question of the other.” The purpose of Heidegger and Practical Philosophy is to demonstrate that Heidegger did not neglect the practical dimension of existence but instead radically transformed the way it is to be thought.

[RAFFOUL  , François & PETTIGREW, David (ed.). Heidegger and Practical Philosophy. New York: SUNY, 2002, p. xiii]


Ver online : Heidegger and Practical Philosophy


[1Francoise Dastur, “Le Temps et l’autre chez Husserl et Heidegger,” Alter, no. 1 (1993) (Fontenay-aux-Roses: Editions Alter), p. 386.