Que a obra de arte seja outra coisa, diferente do que nela é simples coisa, é, por fim, óbvio demais, e é isso que os gregos exprimiam no conceito de alegoria : a obra de arte ἄλλο ἀγορεύει, comunica outra coisa, é outra em relação à matéria que a contém ]. Mas há objetos – por exemplo, um bloco de pedra, uma gota d’água e, em geral, todas as coisas naturais – nas quais parece que a forma é determinada e quase apagada pela matéria, e outros – um vaso, uma enxada ou qualquer outro objeto (…)
João Cardoso de Castro (doutor Bioética - UFRJ) e Murilo Cardoso de Castro (doutor Filosofia - UFRJ)
Matérias mais recentes
-
Agamben (2022) – a obra de arte
8 de março, por Cardoso de Castro -
Agamben (2022) – o mais inquietante
8 de março, por Cardoso de CastroMas, mesmo antes de Platão, uma condenação ou ao menos uma suspeita em relação à arte já tinha sido expressa na palavra de um poeta e ao fim do primeiro estásimo da Antígona de Sófocles. Após haver caracterizado o homem, enquanto possui a τέχνη (isto é, no amplo significado que os gregos davam a essa palavra, a capacidade de pro-duzir, de levar uma coisa do não ser ao ser), como aquilo que há de mais inquietante, o coro prossegue dizendo que esse poder pode conduzir tanto à felicidade quanto (…)
-
Agamben (2022) – a habitude
8 de março, por Cardoso de CastroEm 1838, quando Hölderlin ainda morava na torre sobre o Neckar, Félix Ravaisson, que havia seguido em Mônaco os cursos de Schelling, escreve sua tese Sobre a habitude. Em páginas vertiginosas, que deviam suscitar a admiração de Bergson e Heidegger, Ravaisson aproxima a habitude dos segredos últimos da vida. O filósofo de 25 anos descreve com meticulosa atenção as modalidades nas quais, na habitude, a vontade trespassa insensivelmente em inclinação e em instinto, em uma progressiva degradação (…)
-
Agamben (2022) – a ausência dos deuses
8 de março, por Cardoso de CastroDe maneira não menos antitrágica Hölderlin pensa e vive a ausência dos deuses, pela qual ele define a condição de seu tempo. Aqueles que se detiveram na ateologia do último Hölderlin, de Blanchot a Heidegger, não cansam de citar tanto a passagem de Brot und Wein na qual o poeta declara, sem reserva, que, na despedida dos deuses, cuja plenitude o homem não é capaz de sustentar, «a errância/ ajuda, como um torpor, e tornam fortes a necessidade e a noite», assim como, sobretudo, a correção dos (…)
-
Agamben (2022) – hábito
8 de março, por Cardoso de CastroO que é uma «vida habitante»? Certamente uma vida que se vive segundo hábitos e habitudes.] O verbo alemão wohnen, deriva da raiz indo-europeia *ven, que significa «amar, desejar» e é ligada tanto às palavras alemãs Wahn, «esperança, ilusão», e Wonne, «alegria», como ao latim venus. Isso significa que, na língua alemã, a aquisição de um hábito (Gewohnheit) ou de uma habitude é associada ao prazer e à alegria — e, também, mesmo que os linguistas tendam a dividir os dois termos, à ilusão (…)
-
Byung-Chul Han (2023) – uma ética da inatividade
8 de março, por Cardoso de CastroEm Heidegger, há rastros de pensamento que se condensam em uma ética da inatividade. Ela vale tanto para as relações entre humanos como também para a relação com a natureza. Pouco antes de sua morte, Heidegger escreveu um pequeno escrito com o título Recordação de Marcelle Mathieu. O tema do escrito é a hospitalidade de sua anfitriã já falecida em Provença. Heidegger evoca, primeiramente, a grandiosa paisagem de sua pátria, como se sua hospitalidade surgisse imediatamente de sua relação (…)
-
Byung-Chul Han (2023) – a passagem da ação para o ser
8 de março, por Cardoso de CastroAlguns anos depois de Ser e tempo, Heidegger realiza a passagem da ação para o ser. O pathos da ação dá lugar ao espanto sobre o ser: […] o festejar, enquanto interrupção do trabalho, é já um conter-se, é prestar atenção, é perguntar, é reflexão, é espera, é a passagem para um pressentimento mais desperto do milagre, do milagre de que em geral um mundo munda ao nosso redor, de que haja o ente e não antes o nada, de que haja coisas e nós mesmos em meio a elas (GA52:64). A ênfase no si-mesmo e (…)
-
Byung-Chul Han (2023) – si-mesmo
8 de março, por Cardoso de CastroSer e tempo é dominado inteiramente pela ênfase no si-mesmo e na ação. Também a morte é compreendida a partir do poder-ser-si-mesmo. Em vista da morte como “possibilidade extrema” de “renunciar a si mesmo”, desperta um enfático eu-sou. A morte, como minha morte, caminha conjuntamente com a ênfase no si-mesmo. Ela leva a uma contração do si-mesmo. Permanece fechada a Heidegger aquela experiência da morte que me leva a afrouxar as amarras do si-mesmo . Esse tipo de morte diz o seguinte: em (…)
-
Byung-Chul Han (2023) – o tédio
8 de março, por Cardoso de CastroTambém o tédio não é, para Heidegger, nenhum pássaro onírico que choca o ovo da experiência. Ele é interpretado, igualmente, como um apelo à ação. No tédio, assim como na angústia, o mundo escapa ao ser-aí; isto é, escapa-lhe o ente no todo. O ser-aí recai em um vazio paralisante. Todas as “possibilidades da ação e inação” são recusadas. Heidegger escuta nessa recusa (Versagen), porém, um dizer (Sagen): “O que indica neste recusar-se o ente que no todo se recusa? […] Justamente as (…)
-
Byung-Chul Han (2023) – a angústia
8 de março, por Cardoso de CastroA angústia representa, em Ser e tempo, a “disposição fundamental”, pois ela confronta o “ser-aí” (a designação ontológica para o ser humano) com o ser-no-mundo. Em oposição ao medo, que meramente se relaciona com algo no mundo, o “de que” da angústia é o mundo como tal: “Aquilo de que a angústia se angustia é o próprio ser-no-mundo. O ente dentro do mundo […] afunda na angústia. O ‘mundo’ não consegue fornecer mais nada, tampouco o ser-aí-com outros”. Esse mundo que escapa ao ser-aí na (…)