Fenomenologia, Existencialismo e Hermenêutica

Às coisas, elas mesmas

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Marquet (1995:214) – o homem, um ser do possível

sábado 6 de janeiro de 2024

tradução

Por acontecimento, entendemos aquilo que a atualidade anuncia como possível; por singularidade, aquilo que não tem absolutamente nada de comum ou genérico, aquilo de que está excluído qualquer caráter de universalidade, isto é, de potencialidade. É esta exclusão do possível que determina o radicalmente singular como ato (ou acontecimento) puro. Na ordem da natureza, a singularidade só emerge em primeira pessoa no seio da espécie humana: por outras palavras, mesmo aí ela aparece sempre contaminada por um caráter genérico, como progenitora de um fundo não-singular (Grund) do qual nunca consegue liberar-se completamente. O elemento em que se traduz — a linguagem — é também comum a outras singularidades de quem a recebe e a quem a transmite. Como singularidade imperfeita, só posso ser um acontecimento imperfeito, distendido num fluxo (ou/e retomado numa história): ou melhor, não sou esse acontecimento, mas um sujeito a quem ele acontece ou que, reversivelmente, se vê atirado para um ter-lugar do qual não controla nem a origem nem o fim. Esta insuficiência de si faz do homem um ser do possível e, portanto, do indeterminado; cabe-lhe, para o bem e para o mal, fazer-se impossível — sendo o ser-para-a-morte (Sein zum Tode) nada mais do que esta permanente convocação para a impossibilidade (Heidegger). Ao morrer, deixo de ser humano, de ser possível — de ser mortal.

original

1 — Par événement, il convient d’entendre ce dont l’actualité prévient la possibilité; par singularité, ce qui n’a absolument rien de commun ou de générique, ce dont se trouve exclu tout caractère d’universalité, c’est-à-dire de potentialité. C’est cette exclusion du possible qui détermine le radicalement singulier comme acte (ou événement) pur. Dans l’ordre de la nature, la singularité n’éclate à la première personne qu’au sein de l’espèce humaine: c’est dire que là même elle apparaît toujours comme entachée d’un caractère générique, comme pro-cédant d’un fond (Grund) non singulier auquel elle ne parvient jamais à s’arracher complètement. L’élément dans lequel elle se traduit — le langage — lui est également commun avec d’autres singularités de qui elle le reçoit et à qui elle le re-fait passer. Singularité imparfaite, je ne puis être de même qu’un événement imparfait, et comme distendu en un flux (ou/et repris dans une histoire) : ou plutôt, je ne suis pas cet événement, mais un sujet à qui il arrive ou qui, réversiblement, se trouve jeté dans un avoir-lieu dont il ne maîtrise ni l’origine, ni la fin. Cette inadéquation à soi fait de l’homme un être du possible, et donc de l’indéterminé ; c’est à lui, pour le pire ou le meilleur, de se faire impossible — l’être-à-la-mort (Sein zum Tode) n’étant rien d’autre que cette convocation permanente à l’im-possibilité (Heidegger). En mourant, je cesse d’être homme, d’être possible — d’être mortel.

[MARQUET  , Jean-François. Singularité et événement. Grenoble: J. Millon, 1995.]


Ver online : Jean-François Marquet