O uso alemão do termo “das Unscheinbare” — que traduzimos em francês por seu equivalente estrito: “l’inapparent” — deve ser um guia bastante confiável para começarmos a explorar, por meio do “átrio da língua”, o “fenômeno” com o qual estamos lidando essencialmente aqui, o de uma “fenomenologia do inapparente”. O dicionário alemão (compilado pelos irmãos Grimm) lista três significados principais. “Unscheinbar” — ‘inaparente’ — é, em primeiro lugar: 1°/ ‘aquilo que não tem brilho’, aquilo que (…)
João Cardoso de Castro (doutor Bioética - UFRJ) e Murilo Cardoso de Castro (doutor Filosofia - UFRJ)
Matérias mais recentes
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Guest (2002:106-108) – fenomenologia do inaparente
12 de outubro de 2024, por Cardoso de Castro -
Guest (2002:103-106) – fenomenologia do extremo
12 de outubro de 2024, por Cardoso de CastroTudo parece se resumir à dificuldade de “fazer aparecer o que aparece”. Na explicação alemã de Heidegger para essa fórmula surpreendente, o valor de seu aspecto “fenomenológico” é claramente aparente:
“Das, was sich zeigt, so wie es sich von ihm selbst her zeigt, von ihm selbst her sehen lassen” [SZ:34].
De certa forma, o que temos aqui é a fórmula desenvolvida, específica para a “fenomenologia” sui generis de Ser e Tempo, da famosa máxima husserliana de “retornar às coisas mesmas”: “Zu (…) -
Agamben (2015:275-277) – paixão, como potência passiva e mögen
12 de outubro de 2024, por Cardoso de CastroPara compreender o problema que é aqui evocado, é necessário aproximá-lo do tema da liberdade tal como é exposto nas últimas páginas de Vom Wesen des Grundes [GA9]. Mais uma vez, a dimensão da facticidade (isto é, da facticidade original ou transcendental) é aqui essencial:
Existir significa sempre: no meio do ente, ser em relação com o ente — com aquele que não é no modo do Dasein, consigo mesmo e com seu semelhante — e isso de tal modo que na própria relação emotivamente situada, aquilo (…) -
Agamben (2015:265-269) – facticidade
12 de outubro de 2024, por Cardoso de CastroA explicitação mais clara das características da facticidade se encontra no parágrafo 29, que é consagrado à análise da Befindlichkeit e da Stimmung. Na Stimmung tem lugar uma abertura que precede todo conhecimento e toda Erlebnis. Ela é die primäre Entdeckung der Welt, o desvelamento original do mundo. Mas o que caracteriza esse desvelamento não é a plena luz da origem, mas precisamente uma facticidade e uma opacidade irredutíveis. O Dasein é levado pelas Stimmungen para diante dos outros (…)
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Agamben (2015:263-265) – decadência e facticidade
12 de outubro de 2024, por Cardoso de CastroA Grundbewegung da vida é chamada por Heidegger de Ruinanz (do latim ruina, desmoronamento, queda): é a primeira ocorrência do que virá a ser, em Sein und Zeit, die Verfallenheit. A Ruinanz apresenta o mesmo entrelaçamento do próprio e do impróprio, do spontaneus e do facticius, que constitui também a Geworfenheit do Dasein: “Um movimento que se produz a si mesmo e que no entanto não se produz a si mesmo, mas que produz o vazio no qual se move: seu vazio é sua própria possibilidade de (…)
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Agamben (2015:260-261) – origem da palavra "facticidade"
12 de outubro de 2024, por Cardoso de CastroO reenvio a Husserl e a Sartre, lugar-comum na entrada “Facticidade” dos dicionários filosóficos, é errôneo, pois o uso heideggeriano é completamente diferente. Heidegger distingue a Faktizität do Dasein da Tatsächlichkeit, simples factualidade dos entes intramundanos. É no início das Ideen que Husserl define a Tatsächlichkeit dos objetos da experiência. Esses objetos, escreve ele, apresentam-se como algo que se encontra em um ponto determinado do espaço e do tempo e que possui certo (…)
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Agamben (2015:255-259) – Amor
11 de outubro de 2024, por Cardoso de CastroFoi muitas vezes observado que o problema do amor está ausente da obra de Heidegger. Em Sein und Zeit, que contém até uma ampla reflexão sobre o medo, a angústia e outras Stimmungen, o amor é mencionado uma única vez, em uma nota que reenvia para duas citações, uma de Pascal e outra de Santo Agostinho. Desse modo, Koepp, em 1928, e Binswanger, em 1942, censuraram Heidegger por não ter dado nenhum lugar ao amor em sua analítica do Dasein, fundada unicamente na Sorge; e, em uma Notiz, sem (…)
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Agamben (2015:165-166) – Ereignis e linguagem
11 de outubro de 2024, por Cardoso de CastroExperimentemos agora pensar o Ereignis do ponto de vista da linguagem, como palavra as-sue-ta [as-sue-fatta], reconduzida a seu próprio. O que pode ser, nesse sentido, uma linguagem em que o destinante já não se subtrai no que é destinado senão uma linguagem em que o dizer já não se esconde no que é dito, em que a pura língua dos nomes não decai nas instâncias concretas de discurso? Isso não significa, todavia, uma língua que fique junto de si, no silêncio, um tema que nunca chegue a se (…)
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Agamben (2015:160-165) – Ereignis e Absoluto
11 de outubro de 2024, por Cardoso de CastroHeidegger aproximou várias vezes o pensamento do Ereignis ao Absoluto hegeliano. Essa aproximação — indício, certamente, de uma vizinhança que para o próprio autor constituía um problema — tem sempre a forma de um distanciamento que tende a sublinhar as diferenças, mais do que os traços comuns. Já no curso de 1936 sobre Schelling, Heidegger escreve que o Ereignis “não é idêntico ao Absoluto, e tampouco é sua antítese, no sentido em que a finitude se opõe ao infinito. Com o Ereignis, pelo (…)
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Agamben (2015:75-78) – Stimmung e Stimme, vocação e voz
11 de outubro de 2024, por Cardoso de CastroProcuremos agora recapitular as características dessa Stimmung, dessa abertura originária ao mundo que constitui o Dasein, e — se pudermos — situá-la em seu lugar. A Stimmung é o lugar da abertura originária do mundo, mas um lugar que não está em nenhum lugar, já que coincide com o lugar próprio do ser do homem, com seu Da. O homem — o Dasein — é essa sua abertura. E, no entanto, essa Stimmung, esse acordo originário e essa consonância entre Dasein e mundo, é, simultaneamente, uma (…)