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epoche
segunda-feira 3 de novembro de 2025
epochè, épochè, ἐποχή, epokhè
Poder-se-ia realizar uma análise eidética das formas do “ter-consciência”. Pois, sem dúvida, a redução fenomenológica não pode deixar de ser acompanhada de uma redução eidética: não há fenomenologia transcendental empírica. Em contrapartida, uma eidética da consciência é possível sem redução fenomenológica. Assim, na segunda seção das Ideias diretrizes, aquela pôde preparar esta. A essência da consciência — a intencionalidade — aparece então, no seio da atitude natural, como um “encontro”: toda cogitatio visa um cogitatum.
Mas pode-se dar também um passo a mais. O campo liberado pela redução eidética pode, por sua vez, ser novamente reduzido de modo transcendental: a fenomenologia, “doutrina eidética da consciência”? Sim, mas “transcendentalmente purificada”. Assim, a fenomenologia transporta-se para o campo duplamente reduzido — o eidético, desvelado como tal pela redução eidética, e o da experiência transcendental, revelado pela redução fenomenológica.
A pequena história relata que Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
teria “descoberto” a redução fenomenológica (ou transcendental) durante o verão de 1905, enquanto estava em repouso em Seefeld, nos Alpes do Tirol setentrional. Uma nota de Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
de março de 1908, presente em um caderno pessoal, também nos informa que suas novas concepções não foram bem acolhidas por seus alunos de Göttingen. Eis o dado histórico. Mas o que importa talvez mais, para nossa compreensão, é o sentido que convém atribuir a essa descoberta.
Com a redução fenomenológica, Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
passa a definir a consciência como sujeito cartesiano radicalizado: cartesiano, sem dúvida, pois o ponto de partida reside no cogito; mas radicalizado, pois o cogito já não revela uma substância, mas uma evidência. Ele já não abre sobre a res cogitans, mas desdobra a unidade cogitatio–cogitatum.
Recordemo-nos, de fato, das análises que abrem a Segunda Meditação. Descartes Descartes H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes. descobre, no cogito, a res cogitans: “eu era, sem dúvida, se me persuadi, ou somente se pensei alguma coisa.” Todavia, o pensamento dá a medida do ser apenas no instante do cogito. Se tenho a certeza de ser no instante de meu pensamento, não estou, contudo, assegurado de existir dentro de um momento. Assim: “sou, existo — isto é certo; mas por quanto tempo? A saber, enquanto penso; pois talvez pudesse ocorrer que, se eu deixasse de pensar, cessaria ao mesmo tempo de ser ou de existir.”
É a criação contínua de Deus que garante a continuidade, no tempo, da res cogitans. Recorde-se o §51 do Livro I dos Princípios da Filosofia, onde Descartes Descartes H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes. define a substância como uma auto-suficiência quanto à existência: “Quando concebemos a substância, concebemos apenas uma coisa que existe de tal modo que necessita apenas de si mesma para existir.” Ora, propriamente falando, só Deus é auto-suficiente quanto à existência. Tudo se passa, portanto, como se a res cogitans não dispusesse, por si só, dos meios para custear a própria existência. Como a posição de existência não é visada no cogito, a res cogitans deve recorrer a Deus.
Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
, como Descartes
Descartes
H. consagrou dois cursos e quatro seminários a Descartes. A desconstrução da metafísica heideggeriana conduz um diálogo intenso com Descartes.
, coloca a questão do fundamento do acesso ao conhecimento: “ainda busco o ponto de Arquimedes sobre o qual possa apoiar-me com plena confiança; procuro o solo do saber sobre o qual possa firmar-me para realizar um primeiro trabalho, por assim dizer, absoluto.” Enquanto não se possui um fundamento seguro, não se pode afirmar que expressões como “ciência fundamental” ou “ciência rigorosa” tenham sentido.
Para indicar qual deve ser a tarefa de uma ciência fundamental — de todo projeto cartesiano — Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
retoma o termo epoché, de origem estoica, que significa “suspensão do juízo”. Trata-se de suspender todo engajamento no juízo relativo à tese (à posição) do mundo: abstemo-nos de participar da crença na existência do mundo.
Todavia, a epoché husserliana não imita a dúvida cartesiana; ela a utiliza como methodischer Behelf, isto é, como auxiliar metódico. A epoché, enquanto “colocação fora de circuito” da tese do mundo, é compatível com a certeza de sua existência; a dúvida, ao contrário, é a sua negação. A epoché não converte a tese em antítese, nem a posição em negação, conjectura ou dúvida:
“nada disso está no poder de nosso livre-arbítrio. Trata-se, antes, de algo absolutamente original”, escreve Husserl
Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
. “Não abandonamos a tese que tínhamos formulado; nada modificamos em nossa convicção, que em si mesma permanece o que é […] E, contudo, a tese sofre uma modificação: enquanto permanece em si o que é, nós a colocamos, por assim dizer, ‘fora de jogo’, ‘fora de circuito’, ‘entre parênteses’.” (VGKH
VGKH
GÉRARD, Vincent. La “Krisis”, Husserl. Paris: Ellipses, 1999.
)