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A Natureza da Simpatia

Scheler (1923) – A relação de amor e companheirismo

Wesen und Formen der Sympathie (1923)

  • O Erro Central da Escola Britânica de Moralistas ao Derivar o Amor e o Ódio do Sentimento de Companhia e o Posicionamento Equivocado da Benevolência: Um dos erros mais graves de quase toda a escola de moralistas britânicos reside no afastamento da ética grega e cristã ao buscar derivar os fatos do amor e do ódio do sentimento de companhia, colocando a simpatia em primeiro plano e substituindo o amor pela benevolência (frequentemente denominada «benevolência desinteressada»), um conceito escorregadio que, na prática, frequentemente se baseia na piedade (embora muito menos na alegria), oferecendo uma aparente aproximação ao amor, assim como a malevolência faz com o ódio.

  • A Distinção Fenomenológica Essencial entre Benevolência e Amor, Focada na Busca de Valor Pessoal e na Ausência de Esforço: A «benevolência» não é de forma alguma o mesmo que amor, pois, primeiramente, o amor não tem como requisito ou essência buscar o «benefício» (material) de seu objeto, estando inteiramente preocupado com os valores positivos da personalidade e com o bem-estar somente na medida em que este promove tal valor pessoal (amando-se também coisas como beleza, arte ou conhecimento, para as quais sentir «benevolência» seria sem sentido, e amando-se «Deus», embora fosse ridículo «entretê-lo com benevolência»); além disso, o sentimento de «benevolência» inclui um elemento de distância e superioridade por parte do benfeitor, uma certa «condescendência» que pode facilmente excluir a possibilidade de amor (assemelhando-se à diferença entre a piedade comum «por alguém» e o «sofrer em comum com ele»), e envolve o fazer um esforço em direção ao bem-estar do outro, enquanto no amor, como tal, não há sentido de esforço (não há mais «esforço» no ato de amar do que há um contra-esforço no ato de odiar).

  • A Lei Oposta do Amor em Relação ao Esforço e a Crítica à Concepção do Amor como Dever, Conforme Kant Kant Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou. : O amor segue uma lei oposta à do esforço, pois o esforço se exaure e descansa uma vez satisfeito, enquanto o amor permanece o mesmo ou aumenta sua atividade, tornando-se cada vez mais absorto em seu objeto e mais perspicaz em relação aos valores inicialmente não revelados, não fazendo sentido falar do ato de amar sendo «satisfeito» (a menos que se refira à satisfação ou gratificação sentida na conclusão do ato de amor); esta equivocidade tem uma fonte prejudicial no conceito de amor como um dever defendido em parte do ensinamento ético da igreja, o que, por ter se provado uma exigência equivocada do impossível, foi substituído pela benevolência, se não por meras boas obras de tipo prático, ao passo que Immanuel Kant Kant Emmanuel Kant (Immanuel en allemand), 1724-1804, é um dos autores de predileção de H., um daqueles do qual mais falou. excluiu o amor de todo o campo de conduta moralmente valiosa porque não pode ser imposto como um dever, e porque (erroneamente) pensou ser possível basear o conceito de valor moral unicamente na obrigação e no dever.

  • A Relação Intrínseca do Amor com o Valor e a sua Natureza Fenomenológica como Ato e Movimento Espontâneo, Distinta do Sentimento de Companhia: O amor tem uma referência intrínseca ao valor e por essa razão não pode ser um sentimento de companhia (mesmo o «amor-próprio», distinto do mero egoísmo, refere-se ao valor e não pode ser, por sua natureza, «simpatia por si mesmo»); além disso, o amor não é um «sentimento» (ou seja, uma função passiva ou receptiva, como o sofrer, o suportar, o tolerar, etc.), mas um ato e um movimento emocional e espiritual que se assemelha a um gesto, e pode ser sentido como uma qualidade «atraente» ou «convidativa» em seu objeto (no sentido em que Aristóteles Aristoteles
    Aristote
    Aristóteles
    Aristotle
    Para Heidegger, Aristóteles é com efeito toda a filosofia, por esta razão passou sua vida a situar, demarcar, mensurar, em resumo questionar em sua dimensão mesma de lugar, este lugar comum a toda humanidade.
    pensa no amor, quando diz: «Deus move o mundo como o amado move o amante» - traduzido da Metafísica), sendo acima de tudo um ato espontâneo (permanecendo assim mesmo quando dado em resposta), enquanto o sentimento de companhia é sempre uma condição reativa, limitando-se àquilo que está sujeito a sentir, o que não ocorre com o amor.

  • A Dependência Essencial do Sentimento de Companhia em Relação ao Amor e a Regra Fenomenológica que Delimita o Objeto de Ambos os Atos: O sentimento de companhia está intimamente conectado ao amor em aspectos essenciais, sendo o mais importante o fato de que todo sentimento de companhia é baseado em alguma forma de amor e desaparece quando o amor está totalmente ausente, mas o inverso não é verdadeiro; a penetração do sentimento de companhia no seu objeto (podendo estender-se a condições periféricas ou à profundidade da personalidade) é inteiramente dependente da categoria antecedente do amor que o sustenta (ou seja, de como o amor é dirigido para aquele nível particular); a lei de dependência que relaciona a natureza essencial dos atos é verificada no fato de o sentimento de companhia variar de acordo com a medida e a profundidade do amor, alcançando seu limite onde o amor é superficial.

  • A Necessidade de um Ato Envolvente de Amor para a Simpatia ser Mais do que Entendimento ou Emoção Vicária, e o Papel do Objeto Generalizado: O ato de sentimento de companhia, mesmo quando se tem simpatia por alguém que não se ama (não havendo traço de amor, como na piedade comum «por» alguém), deve estar enraizado em um ato envolvente de amor para que seja mais do que mero entendimento ou emoção vicária, sendo este amor dirigido a um todo do qual a pessoa é parte ou membro (uma família, uma nação, ou a humanidade), ou a uma categoria geral que ela exemplifica (como um compatriota, um parente, um ser humano, ou uma criatura viva), significando que o objeto fenomenológico para o qual o amor é dirigido não precisa coincidir, em intenção, com o objeto da simpatia; o efeito deste ato envolvente torna perfeitamente possível simpatizar com alguém que não se ama, sendo o realmente impossível a simpatia faltar onde o amor já está presente.

  • As Consequências da Ausência de Amor na Simpatia e a Brutalidade do Exprimir Piedade para com o Não-Amado: O âmbito do ato de amor determina a esfera em que o sentimento de companhia é possível, levando a duas conclusões: a primeira, que é essencialmente impossível odiar e simpatizar em um único ato combinado (pois no ódio se alegra com a dor e injúria, dando-se vazão a sentimentos heteropáticos, negativamente valiosos, como inveja e rancor); a segunda, que, nos casos em que há amor, mas não para com o objeto da simpatia, o efeito no apiedado é a criação de um sentimento de «orgulho ferido», vergonha e humilhação, pois a piedade só é suportável pelo amor que revela, e, quando o amor subjacente não é dirigido ao indivíduo em um sentido concreto, mas a um objeto generalizado («humanidade», «família»), a pessoa apiedada é vista meramente como um «caso» ou «instância», e a transplantação de um valor da intimidade individual para um campo geral ou «público» provoca vergonha.

  • A Vindita como Base Subjacente da Tentativa de Derivar o Amor do Sentimento de Companhia e o Papel Essencial do Amor no Benefício Genuíno: A suposição da possibilidade de explicar o amor em termos de sentimento de companhia é uma falácia completa, e onde tal teoria surge, pode-se seguramente concluir que a base real para ela é a vindita (que considera o sofredor como melhor por seu sofrimento, dando origem a um gosto perverso pelo próprio sofrimento); isso ocorre, por exemplo, em Arthur Schopenhauer Schopenhauer SCHOPENHAUER, Arthur (1788-1860) e onde a ideia profundamente influente (cristã) de sofrer «alegremente» é distorcida na noção perversamente vingativa de que o sofrimento e aqueles que o suportam são especialmente merecedores de amor (que os pobres e em aflição são particularmente «agradáveis» à vista de Deus), quando na verdade o amor é estendido aos valores positivos inerentes aos que sofrem, sendo o ato de aliviar seu sofrimento apenas uma consequência disso; o filósofo F. von Baader Baader
    Franz von Baader
    FRANZ XAVER VON BAADER (1765-1841)
    afirma que «A efetiva boa-vontade já é em si um benefício, sendo o próprio coração e princípio da beneficência, e portanto o maior benefício que um ser livre e independente pode conceder a outro, sem o qual todas as outras benfeitorias são vãs e não geram gratidão», indicando que, ao ser piedosamente amado, o indivíduo não se apega primeiro aos atos de bondade, mas ao amor e à boa-vontade que os inspiram e que a compaixão externa apenas revela.


Ver online : Max Scheler


SCHELER, Max. The nature of sympathy. Piscataway, N.J: Transaction Publishers, 2008