Fenomenologia, Existencialismo e Daseinsanálise

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Gadamer (VM) – Essência da mudança súbita

sábado 25 de outubro de 2025

Aristóteles trata, em certa ocasião, da essência da mudança súbita. Refere-se, com isso, a fenômenos tais como o da congelação repentina de um líquido resfriado, a metabole. Quer dizer que nem todo movimento se desenrola na dimensão do tempo. Para essa física das aparências, é válido também o caráter repentino da mudança súbita. Pois bem, esse caráter repentino da mudança súbita manifesta-se igualmente em toda compreensão. Tem-se experiência disso quando se escuta uma simples comunicação na vida cotidiana. Presta-se atenção até que “se compreende”. No momento em que “se compreende”, surge, por assim dizer, a totalidade. As pessoas impacientes nem sequer apreciam que o outro continue falando até o fim.

É certo que, no caso da literatura, a situação não se dá da mesma maneira. Aqui, leva-se em conta a totalidade da manifestação linguística juntamente com a totalidade do sentido do discurso. Mas tampouco essa totalidade, que é trazida a uma presença intuitiva por meio da linguagem e, em especial, pela linguagem poética, compõe-se palavra por palavra; ao contrário, aparece, de súbito, como totalidade. E, naturalmente, esse tipo de presença não possui o caráter presente do instante, mas abrange também uma simultaneidade espacial. No romantismo alemão, em Novalis Novalis Novalis - Georg Philipp Friedrich (1772-1801) , Baader Baader
Franz von Baader
FRANZ XAVER VON BAADER (1765-1841)
e Schelling Schelling
Friedrich Schelling
FRIEDRICH WILHELM JOSEPH SCHELLING (1775-1854)
, encontram-se as primeiras indicações nessa direção, que mais tarde alcançaram reconhecimento geral graças a Matière et mémoire, de Bergson Bergson H. leu e trabalhou Bergson com paixão no início dos anos 1920, como declarou em carta a sua esposa. (LDMH) . Isso se reflete claramente no uso linguístico do estrangeirismo Präsenz (presença).

Por exemplo, diz-se de um homem que tem presença quando se percebe a sua entrada no lugar em que estamos, ao passo que não se nota quando outros o fazem. Também se diz de um grande ator que tem presença, isto é, que ocupa todo o palco mesmo quando se encontra junto aos bastidores, enquanto outros se esforçam muito mais sem alcançar tal presença. Presença significa, pois, aquilo que se estende como uma espécie de presente próprio, de modo que o enigmático e inóspito transcorrer do tempo, o permanente deslizamento dos instantes no fluxo temporal, parece suspenso. Nisso se funda a arte da linguagem. Ela permite que algo perdure no momento em que nada parece resolver-se. Na realidade, não se lê uma obra de arte literária em atenção às informações que oferece, mas se é levado a retornar continuamente à unidade da construção, que se articula sempre de modo diverso.

[GADAMER Gadamer
Hans-Georg Gadamer
HANS-GEORG GADAMER (1900-2002)
, Hans-Georg. Arte y verdad de la palabra. Barcelona Bs. Aires México: Paidós, 1998]


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