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Être soi-même

Romano (2018) – Uma arqueologia da autenticidade

Uma outra história da filosofia

  • A constatação de uma revolução nas mentalidades e modos de vida desde o final da Segunda Guerra Mundial, levando ao aparecimento de um novo tipo de relação consigo caracterizado pela aspiração a dar à sua vida uma forma que reflita as suas próprias particularidades individuais.

    • A democratização desta aspiração, outrora apanágio de uma elite, que se tornou um fenômeno de massa a partir do final dos anos 1960.
    • A designação desta aspiração como "autenticidade pessoal", conjugando a ideia de verdade para consigo mesmo com as de realização pessoal e expressão de si na sua vida.
  • A delimitação do objeto de estudo: uma investigação sobre as raízes filosóficas, religiosas e estéticas da autenticidade pessoal, para além das abordagens sociológicas.

  • A análise do relativo descrédito dos "existencialismos" e das críticas ao ideal de autenticidade, nomeadamente a de Michel Foucault Foucault
    Michel Foucault
    MICHEL FOUCAULT (1926-1984)
    .

  • O reconhecimento de um renovado interesse pelo tema, graças a trabalhos como os de Lionel Trilling, Charles Taylor Charles Taylor TAYLOR, Charles , Stanley Cavell, Charles Larmore e Bernard Williams.

    • A contribuição de Taylor para reabilitar a autenticidade pessoal como um ideal legítimo e incontornável das sociedades democráticas contemporâneas.
    • A afirmação de Bernard Williams: "Se há um tema que percorre todo o meu trabalho, é o da autenticidade e da expressão de si".
  • A constatação das limitações destes trabalhos, que tendem a considerar o ideal de autenticidade como algo relativamente simples e homogêneo, sem explorar a sua complexidade interna e ramificações históricas.

    • A ausência de um estudo de conjunto que situe esta ideia numa longa duração, no cruzamento da história da filosofia, da espiritualidade cristã, da retórica ou da filosofia da arte.
    • A antiguidade da ideia de levar uma vida de verdade, que remonta à própria filosofia, ilustrada pelo mito de Hércules na República de Platão e pela exortação socrática ao cuidado da alma e da verdade.
  • A análise da evolução semântica das principais línguas europeias, demonstrando que a ideia de verdade "pessoal" precede a noção lógica e semântica de verdade.

    • Em grego, aletheia remete tanto à verdade como ao hábito de dizer a verdade, à franqueza.
    • Em latim, verus ("verdadeiro" e "verídico") provém da raiz indo-europeia que significa "amigo, digno de fé, verdadeiro".
    • Em inglês, true deriva de palavras que significam "fidedigno, leal, honesto, firme nas suas promessas".
    • A conclusão: "A verdade é o lugar onde um ser coincide consigo mesmo, onde se declara no exterior tal como é no interior, antes mesmo de remeter para a adequação do pensamento com a realidade".
  • A distinção conceptual fundamental entre autenticidade e sinceridade.

    • A autenticidade como uma sinceridade ou veracidade para consigo mesmo, e não para com os outros.
    • A sinceridade como dizer o que se pensa; a autenticidade como ser o que se é.
    • A ligação indissociável da autenticidade com a ideia de realização de si, de florescimento das suas próprias virtualidades.
    • A citação de Goethe Goethe JOHANN WOLFGANG VON GOETHE (1749-1832) : "Mache dir selber Bahn" ("Abre tu próprio o teu caminho") e de D.H. Lawrence: "Find your deepest impulsion, and follow that".
  • A explicitação dos pressupostos do ideal de autenticidade: o individualismo e a dignidade do indivíduo singular.

    • A citação de Charles Taylor Charles Taylor TAYLOR, Charles : "Existe uma certa maneira de ser humano que é a minha. Devo viver a minha vida dessa maneira e não imitar a dos outros."
    • A citação de Emerson: "Nenhuma lei pode ser sagrada para mim, exceto a da minha natureza."
  • A natureza mais exigente da autenticidade face à sinceridade clássica, e o problema do discernimento do que nos é próprio.

    • A possibilidade de a sinceridade coexistir com ilusões sobre si mesmo, o que não é o caso da autenticidade.
    • A questão de saber como é possível tal discernimento, ou se se trata antes de uma decisão pela qual o indivíduo se forma a si mesmo, "se escolhe a si mesmo".
  • O potencial conflito entre a autenticidade e outras exigências éticas, como a integridade e a justiça.

    • A possibilidade de uma autenticidade no mal, ilustrada pela figura de Vautrin, que assume lucidamente as suas torpezas.
    • A consequência: o "dever" de autenticidade não pode ser erigido numa exigência incondicional, num absoluto ético.
  • A análise etimológica e conceptual do termo "autenticidade" e a sua ligação necessária com a verdade e a existência pessoal.

    • A etimologia grega de authentês: "aquele que age por si mesmo", "que tem plena autoridade sobre".
    • O vínculo necessário entre verdade pessoal e existência em pessoa: "Só aquele que existe perante os outros numa forma de verdade sobre si é também ele mesmo, ou está chamado a sê-lo".
    • A análise de Bernard Williams: a sinceridade desempenha um papel essencial não apenas na comunicação, mas na própria formação e estabilização das nossas crenças e desejos, conferindo-nos uma identidade estável.
  • A refutação das críticas pós-estruturalistas e desconstrutivistas que proclamam a "morte da verdade" e a indiscernibilidade do próprio e do impróprio.

    • A identificação destas posições como uma retórica de desvalorização sistemática, herdeira da estratégia sofística.
    • A incoerência fundamental destas posições, que desacreditam o verdadeiro enquanto perseguem por toda a parte a impostura.
  • A consideração das críticas substantivas ao ideal de autenticidade, que apontam para as suas consequências sociais negativas.

    • A associação do imperativo de autenticidade a uma "cultura do narcisismo", à erosão dos laços sociais, ao individualismo, ao hedonismo e a um "estilo de desespero" ligado à "fadiga de ser si mesmo" (Alain Ehrenberg).
    • O aviso de Axel Honneth: o ideal de autorrealização foi instrumentalizado e padronizado a ponto de se inverter num sistema de exigências desumanizado.
    • O risco de a autenticidade pessoal se ter tornado um logro, uma técnica de controlo ao serviço do "novo espírito do capitalismo".
  • A defesa da validade e do sentido do ideal de autenticidade, para lá das suas formas degradadas e mutiladas.

    • A rejeição da redução da autenticidade ao narcisismo ou ao hedonismo.
    • A afirmação de que fazer a verdade sobre si é uma empresa difícil, que exige coragem e perseverança, e pode conduzir ao sacrifício.
    • A distinção entre o ideal de autenticidade e as manifestações mais superficiais do individualismo contemporâneo.
  • A definição da metodologia do presente trabalho como uma "arqueologia" da autenticidade, num sentido inspirado por Foucault Foucault
    Michel Foucault
    MICHEL FOUCAULT (1926-1984)
    mas distinto.

    • A arqueologia como tentativa de desenterrar possibilidades de pensamento soterradas, que continuam a subdeterminar as concepções que as suplantaram.
    • O objetivo de exumar estruturas de longa duração, subjacentes ao desdobramento de um problema filosófico, cruzando diferentes tipos de discurso.
    • A distinção entre uma "arqueologia centrada no arquivo" e uma "arqueologia praticando o ’questionamento em regressão’ no sentido de Husserl Husserl
      Edmund Husserl
      EDMUND HUSSERL (1859-1938)
      ".
    • A convicção final: "a única razão válida para praticar esta disciplina é libertar possibilidades de pensamento recobertas e suscetíveis de contribuir para a reformulação de problemas filosoficamente mal encaminhados ou conduzindo a impasses".

Ver online : Claude Romano


ROMANO, Claude. Être soi-même: une autre histoire de la philosophie. Paris: Gallimard, 2018