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De la passivité dans la phénoménologie de Husserl

Montavont (1999:15-19) – vida

De l’acte de conscience à la vie intentionnelle

A vida subjetiva, a vida intencional, a vida pura, a vida do eu, a vida na forma do tempo, a vida infinita, a vida universal, a concreção da vida, o presente da vida, a vida constituinte, o fluxo da vida, a gênese da vida, a vida da consciência, a vida desperta, a vida adormecida, a vida pulsional, a vida afetiva, o mundo da vida, etc. — poder-se-ia continuar essa lista de ocorrências da palavra “vida” na obra de Husserl Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
. Contudo, Husserl Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
nem sempre falou de vida. Nas Ideen I, o conceito não aparece como tal, ainda que as coisas estejam presentes “em carne e osso”, ainda que se deem em sua corporalidade viva (Leibhaftig) — sublinhando aqui a parentela etimológica entre Leib e Leben.

O ato no qual o eu se volta para o seu objeto, interessa-se por ele, o cogito, é um ato “vivo” (lebendig), isto é, plenamente atual. Esse caráter vivo desvanece quando o objeto passa ao fundo da consciência, que então volta seu interesse para outro objeto. No cogito, o eu se engaja “vitalmente”: está totalmente implicado, completamente presente. Finalmente, o ato do eu é para Husserl Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
um vivido (Erlebnis) da consciência; trata-se, no ato de consciência, da maneira pela qual a vida se possui a si mesma num vivido imanente.

“Em certo sentido, temos consciência de todos os vividos por meio de impressões: todos estão impressos… Uma percepção é a consciência de um objeto. Mas é também, enquanto consciência, uma impressão, algo presente imanente” (Lições sobre o tempo, §42).

Leibhaftig, Leibhaftigkeit, lebendig, Erlebnis, etc.: algo da vida já se anuncia — e talvez não apenas em forma metafórica. O caráter vivo é o de uma presença junto às coisas, que assume os horizontes implícitos constitutivos do sentido da própria coisa, isto é, reencontra sua vida esquecida. Essa presença, portanto, nada tem de imediata: trata-se de reencontrar, aquém da abstração das significações, a concretude da vida da qual elas vivem. O “vivo” e a “vida” devem, portanto, ser pensados como algo diverso de uma evidência que se impõe por si mesma.

O conceito de vida nunca é tematizado explicitamente, como se, com a sua introdução, se anunciasse um excesso não tematizável, um resquício de imediatidade ou ingenuidade. Ele opera em sua diferença ou desvio em relação a outros conceitos — como os de ato, consciência de si, experiência, eu, unidade aperceptiva. Talvez seja justamente a ausência de uma conceitualização explícita de “vida” na fenomenologia husserliana que explique a pouca atenção que os comentadores lhe deram, ainda que ela pareça absolutamente central.

Como entender essa ausência de conceito? Seria uma falta, uma insuficiência, uma fraqueza da filosofia husserliana? Ou, ao contrário, uma necessidade irreduzível, que abriria caminho para uma filosofia que já não seria a dos atos de consciência e da análise reflexiva? Seja como for, a noção de “vida” é uma palavra-chave indomável, que escapa a toda tentativa de fixação conceitual.

Não há, na obra de Husserl Husserl
Edmund Husserl
EDMUND HUSSERL (1859-1938)
, a vida, mas sim formas e níveis de vida, que mantêm entre si relações mais ou menos complexas. Movimentos e contramovimentos, recusas de pares antitéticos, busca de um entre-dois indefinível, senão pela dupla negação dos polos extremos — tensões que, em vez de se anularem, deslocam-se para outras regiões ou níveis: tudo se passa como se as dificuldades do texto husserliano convergissem no termo “vida”, não para dissolver-se nele, mas para explodir nele.

A tematização mais profunda deixa sempre algo na sombra; propomo-nos a interrogar essa sombra, não para fazê-la desaparecer (o que seria impossível — eliminaríamos também a luz que a produz), mas para evidenciar o mistério de que a sombra é, ao mesmo tempo, o impulso produtor, aquilo que põe a análise em movimento.

Tratar-se-á de mostrar que a noção de vida é talvez o que obriga Husserl Husserl
Edmund Husserl
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a deslocar a fronteira tradicional entre passividade e atividade; que as análises da passividade preparam uma vida que já não é puro atualismo. Mas, inversamente, não seria a reflexão sobre uma passividade que rompe com a tradição o que motiva a introdução de um conceito de vida?

As dificuldades e problemas do texto husserliano revelariam ao mesmo tempo os limites da fenomenologia de Husserl Husserl
Edmund Husserl
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enquanto filosofia da consciência e o esboço de uma tentativa de superá-la. Que essa tentativa fracasse, em certa medida, não nos dispensa de acompanhá-la passo a passo, pois ela anuncia a exigência de um novo começo.

Deslocar o lugar do sentido do ato de consciência para a vida intencional, passar do ato isolado ao ato tomado na “conexão da vida” (Lebenszusammenhang) — o que isso significa, em relação ao problema da passividade e da atividade, mas também para a própria fenomenologia husserliana, seus conceitos fundamentais (sensibilidade, corporalidade viva — Leiblichkeit —, intencionalidade, horizonte, etc.) e para seu projeto de uma inteligibilidade completa do homem por si mesmo?

Husserl Husserl
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define, no §35 das Ideen I, o cogito como o ato por excelência. Mas também existem vividos inatuais da consciência, nos quais eu não estou voltado para o objeto nem dirigido atentamente a ele. O essencial, contudo, não está nessa distinção, e sim na impossibilidade de um vivido ser inteiramente atual.

Perceber esta folha aqui e agora é percebê-la num certo entorno, sob determinadas condições de iluminação, sobre uma mesa, à direita de um apontador etc. A folha percebida pertence, portanto, a um mundo, que, embora não percebido no sentido estrito, aparece-me. Aparece apenas implicitamente, “junto com” (mitgeschaut) a aparição explícita da folha; no entanto, a folha não seria esta folha sem o seu fundo correspondente.

Perceber é destacar um objeto de um fundo: das Erfassen ist ein Herausfassen (“compreender é extrair”). Em outras palavras, pertence à essência da percepção estar cercada por um halo de inatualidade: “O fluxo do vivido nunca pode ser constituído por puras atualidades.” O que se manifesta aqui é a impossibilidade de um vivido ser isolado: todo vivido implica outros, como horizonte perceptivo.

Não há um vivido separado, mas vividos que se encadeiam uns aos outros, constituindo o conjunto da vida da consciência — o Lebenszusammenhang. Guardemos, por ora, esse deslizamento do vivido à vida, por meio da noção de horizonte.

Porque o vivido é portador de horizontes, ele se entrelaça a outros vividos, inserindo-se, enfim, no interior da vida. Ora, a vida não é, ao mesmo tempo, fonte dos atos de consciência e destinatária dos acontecimentos? Não é ela, simultaneamente, passiva e ativa?

É precisamente isso que nos interessa: a vida como lugar do encontro entre passividade e atividade, e talvez mesmo como lugar originário da diferenciação entre ambas.

Num artigo intitulado “A presença do passado na fenomenologia husserliana da consciência do tempo”, R. Bernet mostra, a partir da dupla intencionalidade da retenção, que a consciência absoluta só está presente a si mesma sobre um fundo de ausência.

Essa presença ausente pode ser descrita em termos de sujeito/objeto — a consciência absoluta apreende-se a si mesma como sujeito e apreende objetos —, ou em termos de passividade/atividade: a consciência absoluta é uma espontaneidade que só é senhora de si na distância da retenção passiva.

Pode-se objetar que Bernet fala aqui da consciência absoluta, e não da vida. Mas, seguindo a leitura de K. Held, que compreende a vida do presente vivo como uma extensão entre o nascimento e a morte, tentaremos mostrar que a consciência absoluta não é apenas “viva” (lebendig) no sentido do fluxo heraclítico, mas vida (Leben), no sentido literal do termo.


Ver online : Edmund Husserl


MONTAVONT, Anne. De la passivité dans la phénoménologie de Husserl. Paris: PUF, 1999.